Democracia infantil
Numa coisa temos de dar plena razão à direita. Foi o povo português que lhe concedeu a maioria para governar.
Numa coisa temos de dar plena razão à direita. Foi o povo português que lhe concedeu a maioria para governar. Não foi a troika, não foram os credores, não foi a senhora Merkel. Foram os portugueses.
A oposição dirá que foram enganados. Na campanha, Passos Coelho prometeu umas coisas e, uma vez no poder, faz exatamente o oposto. Caso do frenético aumento de impostos. Mas trata-se de demagogia ou ingenuidade. Há muito que a política deixou de se guiar por princípios éticos e aderiu ao marketing, ou seja, o conjunto de técnicas que têm por objetivo enganar o próximo. Todos os partidos, sem exceção, aplicam receitas similares. Mais do que dizer a verdade, é preciso dizer o que convém a cada momento. Tal como nos produtos de beleza, a política é um comércio de ilusões. Daí a mudança radical de discurso quando se está no poder ou na oposição. Daí as promessas vãs que varrem todo o leque partidário.
Nada, portanto, que o povo não saiba. Apesar da juventude da nossa democracia, a experiência é bastante. O filme é invariavelmente o mesmo. A indignação do povo é por isso tão falsa quanto a candura dos políticos. A maioria que votou PSD e CDS sabia perfeitamente o que estava a fazer. Queria aliás, à época, vingar-se de Sócrates, transformado no ódio nacional, cortar nas gorduras do estado, acabar com as reformas milionárias (de mil euros…) e pôr os meninos na ordem, retirando os perigosos Magalhães, telemóveis e máquinas de calcular das salas de aula, retomando os exames ao estilo salazarento. Ora, o governo tem feito precisamente isso. Nesse sentido, em boa verdade, nem se pode bem dizer que enganou. Exagerou talvez. Mas tem correspondido ao revanchismo ideológico e prático que uma maioria dos portugueses desejou. Se as gorduras do estado são, afinal, os funcionários públicos isso deve-se à ignorância dos próprios. Na verdade, o estado é gordo, sobretudo em pessoal, e nesse vastíssimo conjunto de entidades e instituições cujo objetivo não é servir o cidadão mas sim complicar-lhe a vida. Enfim, acabe-se pois com tudo. Mesmo se na enxurrada vão também os serviços essenciais, à conta dos danos colaterais.
Em democracia o povo não tem desculpa. O governo é determinado pela vontade popular. Quem escolhe mal tem de assumir as suas responsabilidades e aguentar até à próxima oportunidade. E isto vale tanto para o poder executivo, quanto para as autarquias ou a Presidência da República. A maioria que votou Cavaco não pode agora queixar-se de que ele é tendencioso e até perverso. Sempre o foi. Esse ao menos nunca enganou ninguém.
Existe assim uma espécie de infantilismo popular que leva as pessoas a sistematicamente elegerem aqueles de que logo a seguir se queixam. Fazem a asneira e depois põem-se a chorar. Falta maturidade democrática, ponderação, convicções. O povo não é ludibriado por ninguém a não ser por si próprio, escolhendo de forma irrefletida, ao sabor do momento.
O fenómeno não é, aliás, exclusivo de Portugal. Em França já se deplora a eleição de François Hollande, porque, pelos vistos, os franceses acreditam em milagres. Em Itália a população votou no inacreditável Berlusconi e num palhaço. Enquanto por toda a Europa se reforça a extrema-direita. A memória é curta e a depravação mental abunda.
Esta leviandade popular conduz ao descrédito do sistema. O povo vota sem ponderar as consequências e depois queixa-se. É patético. Culpa os políticos esquecendo que estes são mandatados pela vontade dos cidadãos.
A infantilização que afeta a nossa sociedade, bem expressa na publicidade, na cultura e até nas relações humanas, domina igualmente o campo da decisão política. Desenvolvemos mecanismos avançados para o exercício da vontade coletiva. A liberdade, a informação, a participação. Mas a maioria dos cidadãos não se dá ao trabalho de refletir seriamente sobre as escolhas que faz. Não participa, não se envolve na busca das soluções. Não tem tempo, nem paciência. Prefere o espetáculo, a demagogia, a aldrabice. As eleições tornaram-se assim atos de irresponsabilidade coletiva. O resultado está à vista.
Este artigo de opinião foi escrito em conformidade com o novo Acordo Ortográfico.
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