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Manuela Arcanjo - Economista
08 de Dezembro de 2014 às 18:00

Eleições ou incompetência?

O Governo considerou oportuna a apresentação simultânea à Assembleia da República de três propostas de lei: Orçamento do Estado (OE), reforma do IRS e reforma da fiscalidade verde. Centremos a análise nas duas primeiras.

 

Liberto do Memorando de Entendimento sobre as Políticas Económicas e Financeiras, o Governo demonstrou, certamente por mera coincidência, uma incompetência acrescida traduzida na ausência de qualquer pensamento económico e social, nos avanços e recuos em matérias sensíveis e na proliferação de afirmações desmentidas por dados objectivos.

O OE aprovado no passado dia 25 já enfermava de diversas maleitas, entre as quais: omissão de objectivos macroeconómicos claros, optimismo do cenário macroeconómico, falta de transparência, previsões de despesa e de receita não fundamentadas nas medidas listadas e imensas medidas não quantificadas.

Do lado da despesa merecem destaque, pela sua importância, três aspectos. Primeiro, a despesa com pessoal da Administração Central apresenta, face a 2014, uma redução de 950 milhões de euros quando as medidas identificadas totalizam apenas cerca de 200 milhões de euros. Segundo, a dotação orçamental para o SNS é claramente insuficiente atendendo aos valores registados entre 2011-2014. Por fim, a previsão para a despesa em pensões não parece compatível com a manutenção da reforma antecipada para a função pública e o seu descongelamento, entretanto anunciado, para a segurança social.

Do lado da receita fiscal, apenas o combate à evasão fiscal servia de explicação para um aumento esperado muito superior à taxa de crescimento nominal do PIB.

Ao longo das quase quatrocentas páginas do Relatório do OE não se encontrava qualquer referência aos potenciais efeitos das reformas fiscais. Poder-se-á dizer que assim deveria ser dado que aquelas ainda não tinham sido aprovadas.

Na passada semana terá sido discutida - se tal se pode afirmar num debate parlamentar de escassos três dias - e aprovada o que se continua a designar por reforma do IRS.

Da proposta apresentada pela Comissão criada para o efeito, sem tempo nem condições para incluir as necessárias estimativas dos impactos das diversas medidas, o Governo seleccionou o quociente familiar, eliminou diversas deduções e abatimentos e introduziu a dedução para despesas familiares. Confundiu a função das prestações sociais e, mais importante, dos equipamentos sociais para apoiar as famílias com crianças com a função redistributiva do IRS baseada, primeiro, no princípio da equidade vertical (nível de rendimento) e, segundo, num ajustamento em termos de equidade horizontal (encargos acrescidos com educação, saúde e outros).

Mas acabou por acontecer o impensável: os grupos parlamentares do PSD e CDS apresentaram cerca de quarenta alterações (em nome, claro, do Governo dada a impossibilidade deste o fazer uma vez submetido o OE). Afinal, de uma reforma que começou mal só restou, infelizmente, o quociente familiar (para além da sobretaxa extraordinária).

Do ponto de vista dos contribuintes, a trapalhada parlamentar traduziu-se na boa notícia de algum alívio fiscal para muitos agregados familiares, facto que pode estimular o consumo privado. Mas para além desta abordagem, não devemos deixar de reflectir em três questões. Primeira, como é possível que sejam apresentadas apressadamente propostas sem que sejam conhecidos os seus impactos financeiros? Segunda, como é que estas alterações no imposto que actualmente gera o maior encaixe financeiro se articulam com a previsão de receita do OE, previamente aprovado? Terceira, em que dada altura do próximo ano começará a ser evidente a derrapagem orçamental?

Pior do que um Governo que assumidamente tivesse as próximas eleições como alvo, é certamente um Governo que finge não ser influenciado nas suas decisões, mas que todas as semanas apresenta mais novidades, exequíveis ou não. Admito que posso estar a ser injusta. Afinal, pode ser simplesmente o resultado da maior incompetência na história dos Governos Constitucionais em Portugal.

Professora universitária (ISEG) e investigadora. Economista. 

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