Orçamento do Estado 2026: contas certas, mas falta de ambição económica
É inegável que as contas certas são condição necessária para a estabilidade, mas não são suficientes para transformar a economia. Portugal precisa de uma estratégia que vá além da disciplina orçamental: políticas públicas que incentivem o talento, promovam a inovação, simplifiquem a burocracia e reforcem a internacionalização.
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A proposta de Orçamento do Estado para 2026 (OE2026) chega com sinais de equilíbrio e disciplina orçamental que não devem ser menosprezados. O crescimento económico projetado de 2,3%, o saldo orçamental praticamente nulo (0,1% do PIB) e a redução da dívida pública para 87,8% do PIB confirmam um caminho de responsabilidade que tem dado frutos. Portugal apresenta hoje um rating de crédito A+ pela Standard & Poor’s, equivalente ao de Espanha e acima do de Itália, reflexo direto da confiança dos mercados na solidez das contas públicas.
Com aprovação garantida, é também um orçamento que reforçará a transparência e a modernização do processo orçamental, dando passos na orçamentação por programas, na revisão permanente da despesa e na simplificação legislativa. São avanços que tornam o orçamento um instrumento de gestão dos recursos públicos. No entanto, se do ponto de vista das finanças, o documento está equilibrado, do ponto de vista da economia fica a sensação de que podia ter ido mais longe.
Do lado positivo, o OE2026 apresenta medidas relevantes para as famílias. A atualização dos escalões de IRS em 3,51% e a redução das taxas marginais do 2.º ao 5.º escalão traduzem-se em poupanças para os contribuintes. O mínimo de existência sobe para 12.880 euros, o que permite alargar a isenção fiscal, sobretudo para os rendimentos mais baixos. A valorização salarial surge também com incentivos fiscais: aumentos iguais ou superiores a 4,6% podem ser considerados a 200% para efeitos de dedução em IRC, e os prémios de produtividade ficam isentos em IRS até 6% da retribuição base anual.
Na habitação, o orçamento introduz incentivos relevantes, como IVA reduzido para construção e arrendamento de imóveis até 648 mil euros ou rendas até 2.300 euros e isenção reforçada para jovens até aos 35 anos em imóveis até 330 mil euros. Estas medidas procuram dar resposta a um dos maiores desafios sociais do país. No campo ambiental, a tributação autónoma passa a ser mais favorável para viaturas menos poluentes, sinalizando um compromisso com a transição verde. Por fim, a modernização do processo orçamental — orçamentação por programas, “spending review” permanente e revisão da Lei de Enquadramento Orçamental — constitui um passo importante para a eficiência e transparência da despesa pública.
Contudo, e apesar destes avanços, a crítica recorrente é a ausência de medidas estruturais para reforçar a competitividade e a produtividade da economia portuguesa. Prevê que o investimento cresça 5,5%, mas as exportações aumentarão apenas 1,8%, revelando fragilidade na internacionalização. A eliminação do SIFIDE indireto poderá reduzir o financiamento da inovação, e a descida do IRC, embora anunciada (19% em 2026, 17% em 2028), não está integralmente inscrita no orçamento, deixando incerteza para as empresas.
O salário mínimo subirá para 920 euros no setor privado e para 935 euros na função pública, mas o verdadeiro problema continua a ser o salário médio: 1.602 euros em 2024, muito distante dos cerca de 2.600 em Espanha, 2.800 em Itália e 3.800 em França. A valorização salarial é necessária, mas exige empresas mais produtivas e capitalizadas. Sem medidas robustas para estimular investimento, inovação e escala, corre-se o risco de se sobrecarregar as empresas sem lhes dar condições para competir.
A proposta de orçamento falha também na previsibilidade e na estabilidade fiscal, dois fatores decisivos para atrair investimento e garantir confiança. Muitos setores esperavam maior ambição, como a restauração e o automóvel, que reivindicavam reduções de IVA.
O próprio PRR continua com execução lenta, e não há ainda garantias sobre o que acontecerá após a sua conclusão.
É inegável que as contas certas são condição necessária para a estabilidade, mas não são suficientes para transformar a economia. Portugal precisa de uma estratégia que vá além da disciplina orçamental: políticas públicas que incentivem o talento, promovam a inovação, simplifiquem a burocracia e reforcem a internacionalização. Precisa de um quadro regulatório e fiscal estável, que dê confiança às empresas para investir, crescer e pagar melhores salários.
Concluindo, o Governo apresenta uma proposta de orçamento responsável, tecnicamente sólida e desenhada para ser aprovada. Mas, ao mesmo tempo, entrega um documento mais orientado para as finanças do que para a economia. Em vez de um verdadeiro plano de crescimento, temos um exercício de continuidade, com medidas positivas, mas pouco ambiciosas. Portugal tem hoje uma rara oportunidade: aproveitar a estabilidade conquistada para apostar em políticas que libertem o potencial das empresas, melhorem os salários médios, acelerem a inovação e projetem o país no mundo. O OE2026 é um passo na direção certa, mas é apenas isso, um passo. O futuro exigirá mais ousadia!
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