Europa entre a ambição e a urgência: um ano depois do relatório Draghi
O ponto de encontro entre Draghi e o World Economic Forum (WEF) é inequívoco: a Europa precisa de velocidade, escala e intensidade, sob pena de perder relevância económica e política.
Em setembro de 2024, Mario Draghi alertava para três fragilidades estruturais da Europa: um modelo de crescimento sob pressão, dependências externas que ameaçam a sua resiliência e a incapacidade de financiar transições críticas sem acelerar o crescimento. Volvidos 12 meses, como reconheceu no seu discurso de 16 de setembro, cada uma destas vulnerabilidades agravou-se.
A erosão das bases do crescimento europeu é evidente. O comércio mundial fragmenta-se, com os EUA a impor tarifas recorde e a China a reforçar a sua presença, incluindo dentro do próprio mercado europeu. O saldo comercial positivo chinês com a UE subiu quase 20% desde o final de 2024. Adicionalmente, a dependência europeia em matérias-primas críticas limita a margem de resposta. A fatura dos investimentos necessários para transições climáticas, digital e militar subiu para cerca de 1,2 biliões de euros por ano, quase metade a ser financiado pelo setor público europeu.
Este diagnóstico coincide com o mais recente "chief economists outlook" do World Economic Forum (WEF). O inquérito de setembro mostra uma economia global em “turbulência persistente”, marcada por fragmentação geoeconómica, disrupção tecnológica acelerada e riscos orçamentais crescentes. 72% dos economistas antecipam um enfraquecimento das condições globais no próximo ano, e 82% esperam intensificação da fragmentação. Para a Europa, a mensagem é clara: não pode continuar num ritmo incremental, enquanto os principais concorrentes atuam com velocidade e escala. Draghi defende três prioridades: inovação tecnológica, descarbonização compatível com crescimento e segurança económica.
O WEF confirma esta mesma agenda: para economias avançadas, o crescimento dependerá sobretudo do acesso a tecnologia e talento, num contexto de concorrência global feroz. Na frente tecnológica, a Europa mostra avanços, com cinco “gigafábricas” de inteligência artificial (IA) em preparação e capacidade de centros de dados a triplicar em sete anos. Mas a escala continua insuficiente: em 2024, os EUA produziram 40 modelos fundacionais de IA, a China 15 e a UE apenas 3.
Este atraso não é apenas estatístico, é um reflexo da fragmentação regulatória, da lentidão nos financiamentos e da dificuldade em transformar investigação em aplicações industriais. O "outlook" do WEF sublinha que quem liderar a transição tecnológica assente em IA terá vantagens competitivas duradouras. No domínio energético, a Europa enfrenta custos muito superiores aos dos EUA, com preços do gás e da eletricidade a comprometer a competitividade. O WEF reforça o alerta: 61% dos economistas ouvidos classificam os riscos em recursos naturais e energia como “altos ou muito altos” na Europa, com disrupções de longo prazo e efeitos sistémicos.
A resposta exige também uma nova visão de política industrial e coordenação de políticas orçamentais. Draghi denuncia a dispersão de esforços nacionais e a ilusão de que o mercado interno de cada país, sozinho, corrigirá distorções provocadas por outros Estados. O WEF acrescenta um aviso: a sustentabilidade da dívida deixou de ser apenas uma preocupação dos países em desenvolvimento - 80% dos economistas antecipam riscos crescentes nas economias avançadas. Para a Europa, isto traduz-se num dilema orçamental: como financiar simultaneamente defesa, inovação e transição energética sem comprometer a estabilidade?
O ponto de encontro entre Draghi e o WEF é inequívoco: a Europa precisa de velocidade, escala e intensidade, sob pena de perder relevância económica e política. Tal implica concentrar recursos em projetos estratégicos, harmonizar regras para criar verdadeiros mercados únicos de inovação e reforçar a coordenação em matéria de energia, defesa e fiscalidade. Implica também cultivar talento e abrir espaço para empreendedorismo, num contexto global em que capital e conhecimento se movem para onde encontram escala e flexibilidade.
A questão não é se a Europa pode adaptar-se, mas se conseguirá fazê-lo antes de ser irrelevante. Draghi deixou o aviso: continuar como até agora é resignar-se a ficar para trás. De acordo com o "outlook" do WEF, o novo “normal” é a disrupção permanente. Assim, a Europa tem de decidir se se limita a reagir, ou se quer liderar. É com este pano de fundo que a Católica Porto Business School, no âmbito do seu MBA Executivo, organiza no próximo dia 30 de setembro a conferência “Geoestratégia e Gestão”, um momento para refletir sobre como os cenários geopolíticos influenciam a economia global e as decisões estratégicas das empresas europeias.
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