Sobre o comunicado de Harvard à Administração Trump
Harvard recusou formalmente o acordo proposto, alegando que ele viola a Primeira Emenda da Constituição e ultrapassa os limites legais do governo. A universidade reafirma o seu compromisso com a independência institucional e com os valores de liberdade de pensamento e de investigação.
Convém termos em consideração o que a Administração Trump tem feito ao Ensino Superior americano e à sua liberdade e verdade para investigar, evoluir e, mesmo, combater o antissemitismo que é a base (aparente) deste diferendo.
Cortes de financiamento sequentes à imposição de políticas próprias, e uma ingerência à atuação das universidades, são inadmissíveis em qualquer cultura livre. Não estamos nem na Rússia de Putin, nem na China de Xi, nem debaixo do extenso e corroborado Chavismo Venezuelano que têm condicionado a atuação das universidades. Trump, ao procurar condicionar universidades, entrou num capítulo perigoso, extremista, e que pouco importa se de direita se de esquerda. Extremismos que, cá como fora, a nada conduzem.
A questão que fica seria, transpondo para o mercado português ou permanecendo no americano, se uma universidade, mesmo pública, e em função da sua independência científica e pedagógica e da sua liberdade de atuação, pode ou deve ser condicionada na sua atuação por um qualquer governo.
Difícil para uma universidade pública que depende de Orçamento de Estado ou do financiamento estatal. Poderia sair daqui um "Management Buy Out" (MBO), o que – numa opinião muito própria e muito liberal sobre estas coisas – veria com bons olhos. Do mesmo lado estariam práticas privadas ao arrepio do Estado para autonomizarem a universidade de uma putativa agenda política.
Mas para uma universidade privada será impensável aceitar o que seja, como Harvard fez, o que passo a descrever de forma resumida, tendo por base o comunicado lançado face à tentativa de ingerência da Administração Trump na universidade (o motivo – aparente – foram as práticas de antissemitismo, mas a ingerência das imposições da Administração Trump vão bem para além disso). O comunicado revela, à luz da Administração Trump, uma desobediência universitária, o que conduziu ao corte de dois mil e duzentos milhões de dólares de financiamento anual.
Assim: nos últimos 75 anos, o governo federal dos EUA financiou Harvard e outras universidades com bolsas e contratos que, somados aos investimentos das próprias instituições, geraram inovações revolucionárias em medicina, engenharia e ciência. Estas parcerias beneficiaram milhões de pessoas no mundo inteiro.
Recentemente, o governo ameaçou romper esses vínculos com várias universidades, incluindo Harvard, sob acusações de antissemitismo no campus. Na sexta-feira à noite (dia 11 de abril), a administração federal emitiu uma lista de exigências, condicionando a continuidade do financiamento ao seu cumprimento. Embora algumas visem combater o antissemitismo, a maioria interfere diretamente nas condições intelectuais da Universidade, como auditar opiniões de alunos, professores e funcionários, e reduzir a influência de determinados grupos por via do combate às suas ideologias.
Harvard recusou formalmente o acordo proposto, alegando que ele viola a Primeira Emenda da Constituição e ultrapassa os limites legais do governo. A universidade reafirma o seu compromisso com a independência institucional e com os valores de liberdade de pensamento e de investigação.
Apesar disso, Harvard reconhece o seu dever moral de combater o antissemitismo (e isso mesmo não parece estar em causa, mas, muito mais, a possibilidade de condicionar o pensamento livre de vários grupos universitários) para o que tem tomado medidas nos últimos 15 meses, com mais ações previstas. Simultaneamente, Harvard reafirmou os seguintes compromissos:
- Promover uma cultura de investigação aberta e assente na diversidade de ideias;
- Proteger a liberdade de expressão e garantir protestos em conformidade com as regras da universidade;
- Fortalecer processos disciplinares justos e consistentes;
- Cumprir a decisão do caso Students For Fair Admissions vs. Harvard, que proíbe decisões com base na raça.
Harvard alerta que impor controlo político sobre o ensino ameaça não só a universidade, mas, também, os princípios que sustentam uma sociedade livre. A busca pela verdade exige abertura, autocrítica e coragem. Defender essa liberdade é essencial para o bem-estar coletivo e para que o ensino superior continue a ser uma força de transformação para os EUA e o mundo.
No final, apenas gostaria de saber o que faria uma universidade em Portugal, pública, se tal viesse a acontecer. Não é provável, dirão os leitores. Mas e se viesse a ser? Dito isto, será que para uma universidade pública não há mecanismos de MBO, para que pudesse ser retirada da órbita do Estado e continuasse a agir com a liberdade de atuação que lhe deve ser concedida, precisamente porque uma universidade apenas avança com liberdade? Ou um MBO seria neste caso um atentado, também, às esquerdas radicais (e também talvez às direitas radicais) que não poderiam deixar escapar uma universidade à "garra" dos privados e a quereriam, em quaisquer circunstâncias, manter debaixo da tutela estatal? O Estado pode ser importante, em democracia e não em autocracia, mas quando exagera deixa de fazer qualquer sentido. À esquerda ou à direita.
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