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José Esteves - Dean da Porto Business School
09 de Dezembro de 2025 às 20:12

Reimaginar a Educação em 2026

O ensino superior português vive com riscos estruturais que nenhuma escola, por melhor que seja, consegue tapar. Continuamos presos a um modelo de financiamento público pouco transparente, que raramente recompensa impacto, inovação ou internacionalização.

Portugal fecha 2025 com uma boa manchete — e o mesmo problema estrutural de sempre. Seis escolas de negócios portuguesas entram no ranking das melhores da Europa, segundo o Financial Times, num sistema que ganha prestígio de capa, mas perde fôlego por dentro. Celebramos rankings, mas evitamos o óbvio: o país continua a reger o ensino superior com uma lei quase intocada há vinte anos, enquanto o mundo refaz modelos, currículos e práticas à luz da revolução digital. Há menos jovens a entrar no sistema, mais exigência do mercado — e o quadro legal continua parado.

Na recente QS Reimagine Education Conference, em Londres, onde participei como orador, o palco falava sobretudo de “Inteligência Artificial (IA)” — como manda o guião em 2025. Nos corredores, o assunto era outro: quem vai aguentar financeiramente. Um relatório do Office for Students estima que 45% das instituições inglesas entrem em défice em 2025–26 e identifica cinquenta vulneráveis, vinte e quatro em risco real de encerrar. A crise já está a produzir decisões drásticas: a Universidade de Essex vai fechar o campus de Southend e cortar 400 postos de trabalho — incluindo docentes. Não é um caso isolado; é o sinal de que, quando o sistema perde escala, cede.

O modelo clássico da universidade está sob exame em quase todo o lado — menos onde insistimos que “aqui é diferente”. A pressão é global: nos EUA encolhem-se estruturas, na China e na Índia não faltam estudantes, mas falta internacionalização, e em África o investimento fica aquém do potencial.

As escolas de negócios, em geral, têm resistido melhor porque operam modelos mais diversificados. A Porto Business School é um desses casos: a estratégia recente de internacionalização, excelência académica e inovação traduziu-se em resultados concretos — oitavo lugar global no Online MBA, no ranking do Financial Times, e entrada do Executive MBA no top cem mundial do FT. Mesmo num contexto de pressão, instituições com visão e execução conseguem crescer.

Seria tentador — e bastante conveniente — pegar nestes casos de sucesso e concluir que “está tudo bem”. Não está. O ensino superior português vive com riscos estruturais que nenhuma escola, por melhor que seja, consegue tapar. Continuamos presos a um modelo de financiamento público pouco transparente, que raramente recompensa impacto, inovação ou internacionalização. E sempre que alguém fala de mudar leis ou regras, o reflexo é previsível: levantam-se alarmes, invocam-se tradições, organiza-se um grupo de trabalho… e, no essencial, fica tudo na mesma.

Há ainda o desalinhamento entre a oferta formativa e o que o mercado realmente precisa. A IA, a transição digital e a economia verde exigem competências novas, flexíveis e interdisciplinares. Porém, muitos currículos permanecem quase intactos, protegidos por numerus clausus que confundem escassez com qualidade — como se a excelência se atingisse fechando a porta e deixando entrar apenas dez alunos por ano. Em 2026, a qualidade mede-se por impacto, relevância e empregabilidade, não pelo número de candidatos excluídos.

Esta desconexão tem impacto direto nos jovens. A adoção de IA nas empresas está a atingir sobretudo os empregos de entrada, onde antes se aprendia “no terreno”. Muitas tarefas de análise, reporting ou suporte são hoje automatizadas. Para muitos recém-graduados, o primeiro degrau desapareceu: há menos estágios, menos funções de júnior e mais exigência de que cheguem “prontos” — de preferência com experiência e “soft skills” impecáveis.

Tudo isto acontece num contexto demográfico duro. Com menos jovens, o sistema perde escala. Em vez de concentrar recursos, Portugal continua a dividi-los: multiplicam-se escolas de negócios “públicas” no centro e norte, num setor que quer parecer privado, mas que vive num híbrido confortável e quase monopolista. É a versão académica dos nossos minifúndios: instituições pequenas, pouco articuladas, com estruturas duplicadas — um modelo que colhe pouco e custa muito. E os números não deixam muito espaço para patriotismo: somando estudantes e resultados financeiros das escolas de negócios portuguesas presentes nos rankings internacionais, não chegamos a metade da performance anual de uma única grande escola espanhola ou britânica. Não é um drama identitário. É, simplesmente, falta de escala.

A economia já funciona em modo flexível, modular e digital. O ensino superior também devia. Portugal continua a tratar microcredenciais, cursos curtos e parcerias entre universidades, escolas de negócios e empresas tecnológicas como experiências simpáticas, quando deviam estar no centro do sistema. Criar um curso em IA, cibersegurança ou transição verde continua a ser um percurso de obstáculos legais.

A agenda portuguesa para a IA não pode limitar-se a importar plataformas e regulamentos. Se a IA vai ser infraestrutura crítica, universidades e escolas de negócios têm de estar no centro: a produzir conhecimento, formar especialistas, escrutinar algoritmos. Caso contrário, seremos apenas clientes de meia dúzia de gigantes tecnológicos.

A Porto Business School quer estar do lado que pensa, não só do lado que compra. Integrou a IA de forma sistemática nos programas de gestão e, este ano letivo, todos os alunos têm formação em IA generativa e responsável. É um sinal simples: uma estratégia de IA na educação em gestão não se esgota ao adquirir tecnologia; tem de nascer do conhecimento que o país produz.

Outros já avançaram. Austrália, França, Holanda, Finlândia e Espanha estão a reformar estruturas, financiamento e ligações entre universidades e inovação. Portugal não tem menos talento nem piores instituições; falta-lhe visão de conjunto — e coragem para a executar. O ano 2026 pode ser aquele em que deixamos de gerir a sobrevivência e começamos a desenhar o futuro: consolidar instituições, focar áreas de excelência, modernizar o financiamento e levar a sério a aprendizagem ao longo da vida.

O futuro não pertence às instituições que apenas pedem mais recursos para manter o statu quo, mas às que têm coragem de mudar o próprio guião.

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