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Maria de Fátima Carioca - AESE
09:15

Lições da Ciência

Todos percebemos a magnitude e a rapidez da mudança no tempo em que vivemos. A novidade, o “novo” surpreende-nos constantemente: no domínio da tecnologia, da ciência ou da economia, mas também nas aspirações das pessoas, na cultura, na sociedade ou no cenário internacional.

Outubro é, tradicionalmente, um mês de eventos, entre eles, um de caráter mundial e sempre aguardado: a atribuição dos Prémios Nobel. De entre estes, dá-se particular destaque, por razões legítima e óbvias, aos que se referem à Paz e à Economia, mas existem outros, nas áreas científicas, não menos relevantes. Em 2025, foram distinguidos avanços nos campos da física quântica, de novos materiais e da imunologia.

O Prémio Nobel da Física, concedido a John Clarke, Michel H. Devoret e John M. Martinis, reconheceu o trabalho destes cientistas no domínio da computação quântica e da criptografia quântica, permitindo esperar que, num futuro próximo, possamos dispor de dispositivos quânticos mais robustos, processos de computação muito mais potentes e sistemas de comunicação ultrasseguros. Usando técnicas matemáticas não acessíveis aos computadores clássicos, a computação quântica tem o potencial de resolver problemas complexos e permitir a evolução em áreas muito diversas, que vão da inteligência artificial à biologia. Os algoritmos quânticos fundamentam-se numa nova abordagem, criando espaços computacionais multidimensionais que replicam o comportamento dos fenómenos em estudo. Por exemplo, de forma simplificada, se se quiser entender como se comporta uma molécula em determinadas circunstâncias, um computador quântico é capaz de “imitar” o próprio sistema molecular.

Já o Prémio Nobel da Química, atribuído a Susumu Kitagawa, Richard Robson e Omar M. Yaghi, distinguiu o seu trabalho em estruturas moleculares denominadas Metal–Organic Frameworks, (MOF). Estas arquiteturas oferecem espaços internos controlados por átomos metálicos e moléculas orgânicas, capazes de armazenar gases, capturar dióxido de carbono, armazenar pequenas moléculas ou catalisar reações químicas. A relevância desta descoberta é dupla: por um lado, permite projetar materiais com funções precisas (filtragem, armazenamento de energia, descontaminação) que, por seu turno, abrem as portas para aplicações sustentáveis, como captura de emissões, purificação de água ou armazenamento de gases com alta eficiência. A longo prazo, estes materiais podem ser essenciais na transição energética e na criação de tecnologias limpas. 

Por último, o Prémio Nobel da Medicina foi atribuído a Mary E. Brunkow, Fred Ramsdell e Shimon Sakaguchi pelas suas descobertas sobre a “tolerância imunitária periférica”. Estes investigadores identificaram mecanismos que regulam a forma como o sistema imunitário evita atacar tecidos saudáveis do próprio organismo, essenciais para prevenir doenças autoimunes. Esta descoberta é de elevado valor, uma vez que compreender como se mantém a tolerância imunológica abre caminho para terapias mais seguras e específicas.

O que têm de comum estes Prémios? Desde logo, qualquer um destes trabalhos aplica o conhecimento e a investigação científica a um tema de grande atualidade e de grande relevância para a vida humana. E essa aspiração de que o trabalho que se realiza tenha um propósito maior, um sentido mais além do que o gozo da atividade em si, não só tem mérito, como eleva a própria humanidade.

Sem dúvida, a genialidade do trabalho de qualquer um destes cientistas, bem como a amplitude do seu impacto, já são de premiar. Contudo, convido a ir mais longe, refletir em cada um dos casos e transportar para a nossa vida diária algumas outras lições bem mais comuns.

Em primeiro lugar, a capacidade de olhar para o problema de forma radicalmente diferente que potencia a criação de soluções inovadoras. Ex: podemos investir na evolução dos computadores clássicos ou desenvolver computadores quânticos para resolver problemas de tal forma complexos que pareciam inacessíveis. Por vezes, faz toda a diferença ver a mesma paisagem, mas de outra perspetiva e descobrir caminhos novos.

Em segundo lugar, a capacidade de discernir e optar por decisões que visam a sustentabilidade da vida, seja da vida do negócio, da empresa, da família ou da vida humana, em geral. Há soluções rápidas e fáceis que são tentadoras, contudo, podem hipotecar o futuro. E da mesma forma, há decisões estratégicas cujo resultado não é imediato, os seus frutos colhem-se no longo prazo, mas dão futuro.

Em terceiro lugar, a capacidade de pensar sistemicamente, para desenvolver imunidade e ganhar resiliência. É um seguro contra as tempestades, reforça a confiança em nós mesmos e na instituição, e desenvolve o otimismo quanto ao futuro, indispensável para lá chegar.

Todos percebemos a magnitude e a rapidez da mudança no tempo em que vivemos. A novidade, o “novo” surpreende-nos constantemente: no domínio da tecnologia, da ciência ou da economia, mas também nas aspirações das pessoas, na cultura, na sociedade ou no cenário internacional.

Por vezes, podemos ver a rapidez da mudança, o surgimento do que é novo como uma contrariedade ou um obstáculo. Podemos também dar connosco a pensar na volatilidade de muitas dessas coisas novas, ou que a sua complexidade e dimensões nos excedem. No entanto, mais além destas considerações, a verdade é que o novo nos afeta, o novo interpela-nos, o novo deve interessar-nos. Esta capacidade de pensamento sistémico, diferenciado, crítico, disruptivo, inteligente, em tempos complexos, incertos e, sobretudo, desconhecidos revela-se, então, fundamental, enquanto nos impele a ir mais longe, a preocuparmo-nos com as questões da sociedade, a inquietarmo-nos com os problemas de cada um e da humanidade. Não para ficarmos paralisados com a magnitude da missão, mas para, em conjunto com outros que possam despertar ideias e sinergias, alimentarmos a esperança fazendo o bem devido a cada dia.

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