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Ana M. Silva - Advogada, associada da TELLES
28 de Janeiro de 2021 às 11:30

Os bens imóveis, o IMT e as sociedades anónimas

O legislador pretendeu condicionar eventuais situações de evasão e fraude fiscais.

O Orçamento do Estado para 2021 trouxe novidades tímidas ao sistema fiscal. Destacamos, pelo impacto no panorama das transações a que se assistem em Portugal, a inclusão, no artigo 2.º, n.º 2, al. d), do Código do IMT, no elenco das situações assimiladas a uma transmissão onerosa de bens imóveis, da aquisição de partes sociais em sociedades anónimas.

Determinou o legislador que, para que a nova incidência do IMT ocorra, será necessário que se verifiquem, cumulativamente, as seguintes condições:

a) O valor do ativo da sociedade seja composto, direta ou indiretamente, em mais de 50%, por bens imóveis situados em Portugal;

b) Tais imóveis não se encontrem diretamente afetos a uma atividade de natureza agrícola, industrial ou comercial (excluindo a compra e venda de imóveis);

c) Por via daquela aquisição, designadamente, algum dos acionistas fique a dispor de, pelo menos, 75% do capital social.

Assim, pela primeira vez em cerca de 63 anos, o legislador alterou significativamente aquela norma para passar a abranger na incidência de IMT as transmissões de ações de sociedades anónimas detentoras de imóveis.

Introduzida no ordenamento jurídico português em 1958, através da Lei n.º 41969, de 24 de novembro de 1958, que criou o Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, dispunha, à data, aquela norma que seria devido imposto quando, nomeadamente por via da aquisição de partes sociais ou de quotas nas sociedades em nome coletivo, por quotas ou em comandita, detentoras de bens imóveis, algum dos sócios ficasse a dispor de, pelo menos, 75% do capital social da sociedade em causa.

Com a previsão desta norma, o legislador pretendeu condicionar eventuais situações de evasão e fraude fiscais, dado que, através da mesma, garantia a obrigação de pagamento do imposto sempre que das operações realizadas se obtivesse um resultado económico quase idêntico à aquisição direta dos imóveis propriedade daquelas sociedades.

Com a aprovação do Código do IMT, em 2003, a sua redação manteve-se intacta, o que sucedeu até à entrada em vigor do Orçamento do Estado para 2016, altura em que sofreu uma alteração à sua redação.

Ao longo dos tempos, esta regra de incidência, assente numa espécie de transparência fiscal, gozou de uma estabilidade rara no nosso sistema fiscal, mantendo-se dela afastadas as sociedades Anónimas.

Contudo, talvez devido ao crescente aumento de operações de transmissão de partes de capital de sociedades anónimas detentoras de bens imóveis, resultante de uma adaptação dos agentes de mercado àquela norma e, bem assim, empurrado pela imperativa necessidade de obtenção de receita em contexto de pandemia, o legislador veio incluir as transmissões de capital social de sociedades anónimas no elenco de potenciais situações assimiladas a transmissões onerosas de imóveis.

No entanto, não o fez de forma alargada e ampla. Antes, aproximou-a do regime da "participation exemption".

De facto, e para além do demais previsto, o IMT só incidirá, conforme se referiu, sobre as alterações de titularidade do capital social de sociedades anónimas se i) o seu ativo for composto em mais de 50% por bens imóveis situados em Portugal e ii) se os mesmos não estiverem afetos a uma atividade comercial, agrícola ou industrial (com exclusão da compra e venda de imóveis).

Mas mais: em harmonia com as atuais regras comunitárias e nacionais de combate à erosão da base fiscal e ao branqueamento de capitais, passou ainda a estipular-se que sempre que o adquirente de bens imóveis tenha domicílio ou sede num paraíso fiscal (ou caso seja uma entidade dominada ou controlada, direta ou indiretamente, por uma outra entidade sediada num paraíso fiscal), sobre as aquisições de imóveis será sempre devida uma agravada taxa de IMT de 10%, não beneficiando, ainda, de qualquer isenção ou redução de imposto.

Isto dito, é clara a opção de política fiscal adotada pelo legislador. Pois, embora esta medida tenha um impacto significativo no setor imobiliário, um dos mais ativos no último ciclo de crescimento económico, ainda assim o legislador preferiu penalizá-lo, dando cumprimento ao aparente intuito do legislador fiscal originário: garantir que qualquer "transmissão onerosa indireta" do direito de propriedade de um imóvel é tributada, independentemente do meio utilizado para o efeito, combatendo, ao mesmo tempo, a domiciliação de contribuintes em paraísos fiscais, tentando, assim, obstar à erosão da base tributável.

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