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[281.] Foi Você que Pediu uma História da Publicidade?

A publicidade é surpreendente: primeiro faz-nos comprar os produtos e serviços; décadas depois faz-nos comprar os próprios anúncios. Em lojas de todos os géneros, há bandejas e canecas com anúncios da Kellogs, placas metálicas com os da Coca-Cola e postais reproduzindo reclames de há cem anos e há livros ilustrados sobre a publicidade antiga e moderna.

Compramos hoje os anúncios que ontem nos impuseram ou ofereceram, que admirámos, que nos levaram ao consumo, ou a que virámos a cara. Ao transformar-se em objecto historicizado, a publicidade ganha um novo valor de mercadoria. Ela, que foi feita para nosso usufruto gratuito, passa a custar-nos o preço da caneca, do postal ou do livro. Ela, que foi feita para vender outra coisa, passa a vender-se a si mesma. É uma homenagem que a posteridade lhe presta.

"Foi Você que Pediu uma História da Publicidade?" é um álbum de grandes dimensões (30 x 24,5cm) e profusamente ilustrado (mais de 160 anúncios reproduzidos). Reúne anúncios portugueses e estrangeiros do século XX, de 1905 a 1999, recolhidos na imprensa portuguesa. Os reclames são o principal elemento do livro, ocupando grande espaço na paginação e grafismo, permitindo ver os detalhes e ler todo o texto.

Não é o primeiro álbum do género. Recordo "A Publicidade em Portugal através do Bilhete Postal Ilustrado", sucedâneo de uma exposição da Câmara de Lisboa em 1998 (editado por Ecosoluções, Lda), livro representando muito bem o postal publicitário, com excelente qualidade gráfica, mas a que faltava algum enquadramento de texto e que se perdia um pouco entre o postal português e postais estrangeiros.

Já este "Foi Você que Pediu uma História da Publicidade?" tem um bom enquadramento e pequenos textos de contextualização pelo seu autor, Luís Trindade, que já tinha feito um álbum do género com Primeiras Páginas de jornais portugueses no século XX. Trindade dividiu o livro em cinco capítulos que organizam o caos da massa de material disponível. O primeiro procura o impacto da ciência e das invenções desde o início do século XX. O segundo centra esse impacto em dois domínios, o automóvel e o local de trabalho (apenas o escritório). Os dois capítulos seguintes centram-se na mulher, mostrando a mudança da posição relativa da mulher na publicidade: de objecto de exposição (início do século) a objecto de exposição e trabalho doméstico (meados do século), a uma libertação mitigada em que ainda é vista por um olhar feminino e finalmente uma libertação quase completa do corpo e do desejo femininos. A este último período corresponde o surgimento do homem como objecto de exposição e consumo, aproximando as posições de ambos.

O título do livro remete para a célebre campanha "Foi você que pediu um porto Ferreira?", o que significa a aceitação plena da validade e da poética da linguagem publicitária: de facto, o título, tal como o slogan, criam a sedução atrás de um desejo que ninguém sabia ter sido expresso (teria alguém pedido aos autores um porto Ferreira ou uma história da publicidade?). A referência intertextual do título ao anúncio constrói uma afirmação que, tal como a publicidade em geral, não é nem verdadeira nem falsa. Não é verdadeira porque este álbum não é uma história da publicidade, nem sequer da publicidade em Portugal; não é falsa porque as imagens e o enquadramento dos Estudos Culturais permitem uma excelente aproximação à publicidade impressa do século XX — a aproximação lúdica beneficia da contextualização e da organização temática.

Os anúncios exprimem o seu tempo e, procurando criar tendências e surpreender, puxam por ele. Dando mais destaque aos anúncios do que à sua análise, este livro preferiu acentuar a faceta da inovação social propulsionada pelos anúncios, o que faz com que pareça que tenta explicar a sociedade através da publicidade, quando seria mais sensato procurar primeiro explicar a publicidade através da sociedade. Todavia, o objectivo do livro fica plenamente cumprido na selecção e organização, na qualidade dos textos e na apresentação gráfica. É um álbum que poderá entreter ou interessar — mesmo a quem (não) tinha pedido uma história da publicidade.

Luís Trindade, "Foi Você que Pediu uma História da Publicidade?", Lisboa, Ed. Tinta-da-china, 2008; 248 pp

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