[295.] BMW, Avensis, Euromilhões
Os automóveis voltaram a rolar em força nas estradas da publicidade. Depois de um Natal fraquinho, as marcas regressam no início do ano contra crises e tempestades perfeitas. Há na imprensa três tipos de anúncios para três gamas automóveis: os carros para os miúdos, os carros para a família e os carros de gama alta.
Os automóveis voltaram a rolar em força nas estradas da publicidade. Depois de um Natal fraquinho, as marcas regressam no início do ano contra crises e tempestades perfeitas. Há na imprensa três tipos de anúncios para três gamas automóveis: os carros para os miúdos, os carros para a família e os carros de gama alta.
Estes últimos são os que têm os anúncios mais sofisticados, logo mais bonitos. Os carros são tão atraentes nas fotografias dalguns BMW, por exemplo, que se assemelham a obras de museu ou felinos selvagens na National Geographic: belos e acessíveis só a quem pode. Seria pouco escolher um destes carros por causa de uma característica como o design ou outra característica: não se compra um BMW Série 7 por ser “para executivos” mas para “visionários” que optam pela “harmonia entre luxo e conforto”. Quem tem dinheiro tem o que quer e, por isso, o slogan deste modelo diz “Não é sobre design. É sobre desejo.” Basta desejar, ou melhor, poder desejar.
Um outro anúncio da BMW, já da gama familiar, jogava com a diferença entre ver e imaginar para além do que se vê. A ideia está presente em quase toda a publicidade, mas o anúncio ao Série 3 Touring pretendia torná-la consciente ao observador de forma forçada. A foto mostrava um BMW em frente duma pilha de contentores coloridos. Em cima, a pergunta: “Vê contentores? Ou um cubo mágico gigante?” A pergunta lembra o final do poema Impressão Digital, de António Gedeão, sobre as diferentes visões de D.Quixote e Sancho Pança: “Vê moinhos? São moinhos. / Vê gigantes? São gigantes.” É preciso mais tempo de reflexão do que o permitido pelo virar de páginas da imprensa para pensar na relação do patético cubo mágico gigante com o carro e para concluir que poderá haver “mais para descobrir” no BMW Série 3 Touring do que aquilo que se vê.
Os anúncios de carros médios, familiares, têm dificuldade em encontrar uma porta de acesso ao sonho: ou falam da estafada segurança, ou então parecem slogans políticos glorificando a “diferença”, a “mudança” e o “carácter”. Esta ultima distinção é a dum anúncio da nova geração Avensis, que promete “qualidade com carácter”. O texto prossegue na linguagem do marketing político, prometendo “determinação”, “confiança” e o tal “carácter” “diferenciador”. Felizmente, a imagem é melhor que o texto: mostra o carro numa foto de mundo imaginário em que o fundo (o subconsciente) é uma enorme vela dum iate que dois homens agarram já fora da vertical da embarcação. Pela posição em que se encontram em relação ao carro, parece que o olham e perseguem — e desta forma o que parece o sonho (o fundo da imagem) transforma-se na realidade do leitor que persegue o carro, transformado este em sonho. Moinhos e gigantes confundem-se aqui bem melhor do que no anúncio do BMW.
E já que falo em sonhos, mudo de rota para falar doutros sonhos confundidos com realidade: os dos “excêntricos” que ganham o Euromilhões. A campanha actual é bem melhor que as anteriores pois só agora os publicitários conseguiram inventar verdadeiros excêntricos, como o que coloca a Torre Eiffel por cima de Marvão. O reclame televisivo é muito bom, pois usa a própria linguagem televisiva: o apresentador dum canal “TV.Economia” semelhante visualmente ao Bloomberg é informado em directo que o canal foi comprado pelo Sr. Cabral, que de imediato, como nos sonhos, o transforma na TV Cabral, que transmite apenas folclore transmontano. E, de facto, nos tempos que correm, um grupo folclórico no ecrã é bem mais excêntrico do que a vulgaridade dum canal de notícias com um jornalista a ler notícias.
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