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Jorge Marrão - Gestor
01 de Outubro de 2012 às 23:30

A multidão tem razão?

Percebemos agora que as actuais instituições políticas estão incapazes de compreender a nossa condição. A agenda política falha na resposta à ansiedade da sociedade. Precisamos de uma fonte inspiradora. Como povo de descobridores faremos a sua descoberta

Nas últimas décadas, construímos uma sociedade de direitos adquiridos, mas não pagos. O caminho desembocou nesta ignóbil dependência financeira externa. Não estamos sozinhos. Temos a companhia grega e espanhola. Une-nos a entrada na mesma época na Europa rica, a experiência ainda curta de vivência democrática, os incentivos de coesão do clube europeu e as regras da moeda única.

À luz das regras democráticas, a maioria tem sempre razão. Os insatisfeitos cidadãos com o rumo da Europa de hoje manifestam-se ruidosamente nas ruas de Atenas, Madrid e Lisboa, produzindo uma maioria solidária quase espontânea. Todavia, a história está pejada de exemplos contraditórios sobre o momentâneo papel dos apoios populares. Os massivos aplausos ou vaias de uma época a uma causa ou crença podem revelar-se no tempo errados. Foram necessárias décadas para a minoria comunista que pedia a democracia ver a história dar-lhes razão. Mas, atravessámos outras tantas décadas até a maioria comunista que governou os estados socialistas perder a razão que julgava que tinha.

Julgam-se ungidos os políticos que interpretam a vontade popular e têm boa imprensa, e não aqueles que promovem princípios e ideias, ainda que minoritárias. O resultado está à vista. As vontades minoritárias parecem irrealizáveis e disparatadas num momento, mas revelam-se incontornáveis a prazo.

A esquerda e direita tradicionais privilegiam a luta e permanência no poder através de um demagógico acompanhamento das ondas populares e recuo na acção para não se confrontarem com as massas. O IRS e IVA desta democracia não pararão de crescer nos próximos tempos. Dá-se razão ao povo quando se agita. Este mais tarde desconfia dos políticos no poder porque não vê resultados.

Esta recente democracia formou também uma maioria empresarial que cavalgou o modelo de estímulos económico e financeiro promovido pelo Estado, e esqueceu o mercado livre e concorrencial global. Deve estar arrependida. Aqueceu-se com o lume estatal e depois saiu chamuscada da oferta.

Para entender a devastação do activismo estatal, que os empresários abraçaram, sugiro que, a título de exemplo, se entrevistem os accionistas do sector financeiro, da construção civil, do turismo residencial, da saúde privada e das parceiras público-privadas. O Estado, que outrora lhes valeu e os incentivou, é agora o seu cangalheiro, está exaurido, e sem soluções mágicas. A sociedade vai perseguir a economia privada em nome da transparência. A associação subversiva entre justiça e poder mediático mete tudo no mesmo saco: perdemos assim as elites.

Na política, a democracia emerge representativa apenas quando dá jeito: até ao momento em que o político afronta os interesses instalados e a configuração da sociedade. Aí brota uma perversa aliança de grupos organizados, media e oposições que se unem contra as reformas necessárias. Estas são percebidas como tiranias e distanciamento do poder em relação à realidade. O político Mário Soares, a quem a democracia recente muito deve, hoje afirma que não dá jeito que o governo caia. É preciso ganhar o tempo que não temos. Afinal a conveniência nacional entala o Governo entre a democracia referendária diária, a ditadura da troika, a força dos interesses instalados e os frente-a-frente mediáticos. Onde nos levará esta prática política erosiva?

Este pragmatismo só pode ser julgado no futuro como uma irresponsabilidade democrática. Torna tíbia a acção política governativa e das oposições, neste momento de exigência colectiva, e reforça o poder dos credores. É intimidante e aterrador ler os documentos de estratégia orçamental e os estudos sobre o impacte das crises de dívida no crescimento das sociedades. Estas verdades que nos amarram por anos não são anunciadas. Entretemo-nos com o escândalo da semana, esquecendo as gerações.

É pois preciso uma cirurgia à configuração da sociedade portuguesa. Procuram-se anestesistas para suportarmos a dor da austeridade, da quebra de rendimento, de direitos e a da privação do sonho europeu. Para uns a solução é o adiamento da pressão dos credores, para outros é a saída do euro, o perdão das dívidas, a tributação dos ricos e poderosos, a perseguição fiscal aos evadidos ou os julgamentos mediáticos exemplares.

Percebemos agora que as actuais instituições políticas estão incapazes de compreender a nossa condição. A agenda política falha na resposta à ansiedade da sociedade. Precisamos de uma fonte inspiradora. Como povo de descobridores faremos a sua descoberta.

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