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Miguel Pina e Cunha - Professor
05 de Novembro de 2010 às 12:53

A nova vida da revolução cubana

No ano em que se continuou a falar da falência do modelo capitalista ou pelo menos da sua extracção "neo-liberal"

No ano em que se continuou a falar da falência do modelo capitalista ou pelo menos da sua extracção "neo-liberal", um curioso incidente marcou a actualidade. Fidel Castro, El Comandante da revolução cubana ainda e sempre em curso, voltou a falar e desta vez para anunciar que o modelo cubano já não servia ao seu país.

O episódio gerou algum "frisson", mas curiosamente não teve grande eco nos que reclamam o fim do capitalismo. O que até se compreende, porque o modelo cubano não representa obviamente alternativa para ninguém - excepto para aqueles que também consideram a Coreia do Norte um modelo de sociedade viável e a República Popular da China uma democracia exemplar.

O interessante neste momento é saber por que razão veio Fidel dizer o que disse. E por que chamou alguém dos Estados Unidos para dar o recado. Uma explicação: Fidel quer que a História o volte a absolver. Esta parece uma possibilidade improvável e nada indica que estejamos perante um Gorbatchov tropical. Outra possibilidade: o regime pretende aliviar as consequências da crise mundial, amolecer o embargo americano e atrair turistas e divisas dos EUA. A tese já foi aventada pelo "Wall Street Journal" e parece fazer sentido. Até porque esta não é a primeira abertura do regime.

A seguir à queda da URSS, Cuba ficou numa situação ingrata. A economia colapsou, as condições sociais deterioram-se e a população sentiu na pele as consequências das mudanças políticas internacionais. O chamado "período especial em tempo de paz" foi a resposta política às dificuldades. Foram introduzidas algumas alterações. Foram autorizados pequenos negócios, como os localmente famosos "paladares", restaurantes caseiros limitados a uma dúzia de mesas; o dólar circulou; algumas tentativas de melhorar a gestão foram levadas a cabo numa pequena amostra de empresas. A natureza das mudanças, todavia, é reveladora: a iniciativa privada foi limitada à escala da sobrevivência, de modo a garantir que ninguém enriquecia e as empresas em "aperfeiçoamento" mudavam segundo um processo centralmente estabelecido. A difusão de inovações de gestão era controlada pelo Ministério das Forças Armadas, dirigido por Raúl Castro. Neste processo, algumas técnicas de gestão ocidental eram introduzidas para reforçar o socialismo, uma curiosa formulação de como o imprestável capitalismo pode servir a revolução.

No essencial, a actual situação, parece um "período especial II". Há sinais de mudança, mas a mensagem parece ter um objectivo claro: permitir que da América venham os dólares necessários para aliviar os efeitos da crise económica. E que, aliviando a crise económica, possam ser mantidos os alicerces do regime. Uma versão micro-tropical, no fundo, daquilo que se passa com a República Popular da China. Em suma, é mais provável que Fidel tenha jogado tacticamente do que ensaiado um "mea culpa" político.

Interessante será testemunhar a reacção da sociedade. O regime tem aberto na dificuldade para fechar na estabilidade. Resta ver se se pode abrir e fechar as vezes que se quiser ou se alguma vez se abre uma caixa de Pandora. Uma nota final: ao longo dos vários anos em que participei em programas de formação de executivos em Cuba, conheci pessoas que genuinamente estão com Fidel e com o que ele simboliza. Para esses cubanos, era bom que o regime desta vez se pusesse realmente do seu lado.

Para aprofundar o tema:

Cunha, M.P., & Cunha, R.C. (2008). The role of mediatory myths in sustaining ideology: The case of Cuba after the "special period". Culture and Organization, 14(3), 207-223

PS: Os governos em democracia existem para servir o povo da melhor maneira possível e não para amarrar o povo às suas políticas, ideologias e interesses particulares e inconfessáveis. Como recentemente observou Joel Mokyr "Numa economia sã, o Estado trabalha para criar maior bem-estar, mas na China trabalha para encher os bolsos dos seus funcionários." Eis uma regra que muitos esquecem. Em Cuba, por não ser uma democracia, mas também em algumas democracias de menor gabarito.

Professor catedrático, Faculdade de Economia, Universidade Nova de Lisboa

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