Além do objectivo de dois graus
Na esfera política internacional que lida com as questões climáticas, há um largo consenso no objectivo de limitar o aquecimento global
Na esfera política internacional que lida com as questões climáticas, há um largo consenso no objectivo de limitar o aquecimento global para um máximo de dois graus Celsius acima dos níveis pré-industriais. Ainda assim, a não ser que existam avanços nas negociações das Nações Unidas num futuro próximo e uma inversão dos actuais padrões de emissões, atingir essa meta de dois graus é quase impossível.
Mas se abandonarem esse valor, os líderes mundiais vão ter de tomar uma decisão estratégica fundamental, tendo em conta a estrutura e os níveis de rigor de um novo objectivo climático. Em consequência, a política climática internacional precisa de uma mudança paradigmática. A abordagem baseada em pressupostos científicos que consiste na tradução de um valor máximo de temperatura global num conjunto preciso de emissões nacionais não é politicamente exequível. Ao invés, os países com uma agenda política climática forte devem empreender fórmulas dinâmicas para alcançar as metas.
O objectivo de dois graus é o principal ponto de referência para o debate do clima na actualidade. Um aumento correspondente na temperatura média global é normalmente visto como um limite além do qual as consequências das mudanças climáticas podem ser perigosas. Mas, ao contrário da crença geral, o último relatório de avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas não pediu esse objectivo que, desde meados dos anos 90, tem sido visto como um símbolo atraente e um ponto de orientação para medidas ambiciosas, mas realistas, no que diz respeito ao combate às alterações climáticas.
A União Europeia foi a principal força a promover a meta dos dois graus a nível internacional. Os ministros do Ambiente europeus têm defendido o valor desde 1996. Antes da Cimeira de Copenhaga, no final de 2009, a União Europeia foi bem sucedida em agregar todos os parceiros relevantes para as negociações - incluindo até a China, a Índia, a Rússia e os EUA - de forma a se comprometerem com aquele número.
No "Acordo de Copenhaga", a União Europeia finalmente reconheceu o objectivo, embora sem impor medidas para o atingir. Há poucas esperanças de que tal seja ratificado na Cimeira de Cancún.
A partir do momento em que os gases com efeito de estufa elevaram as temperaturas em 1,5 graus Celsius até agora, comparado com a época pré-industrial, são precisas mais decisões políticas para assegurar o alcance daquele valor base. A climatologia assume que o pico das emissões globais deve acontecer nos próximos anos. No entanto, actualmente, não há muitos dados que dêem a ideia de que uma inversão nos padrões da actualidade seja mais visível nessa altura.
Por isso, a dado momento num futuro próximo, um número crescente de vozes da comunidade científica ligada ao clima irá rejeitar, de forma definitiva, a possibilidade de atingir esse valor. Quando isso acontecer, não será suficiente alcançar apenas um objectivo menos exigente, como uns prováveis 2,5 ou três graus Celsius.
De acordo com o paradigma actual, a meta global é definida dentro das categorias científicas e entendida como um limite máximo absoluto. Dada esta abordagem de cima para baixo, todos os esforços iniciais focaram-se na criação de um tratado climático global, levando para uma preocupação mais forte sobre as negociações a nível internacional. Contudo, foram negligenciados os esforços para uma inversão vigorosa dos níveis de carbono pelos países industrializados e em processo de industrialização.
Isto tem resultado num beco sem saída, já que os governos podem sempre culpar os outros pelo fracasso. Até a União Europeia usou este argumento para justificar a sua recusa em elevar a sua meta para a redução dos gases com efeito de estufa para 2020 de 20% para 30%, apesar de este ser um custo justo para a Europa no seu caminho para alcançar a meta de dois graus.
Um paradigma alternativo teria de combinar o realismo com uma visão global positiva. Uma das possibilidades seria estabelecer a "neutralidade climática" como um objectivo do globo a longo prazo - isto é, um esforço para reduzir para zero as emissões de gases com efeito de estufa. Mesmo que este objectivo fosse, inicialmente, ligado a um calendário bastante definido, isso iria instituir o padrão de acção pelo qual todos os países teriam de ser medidos.
Dentro de tal quadro de acção, os actores da política climática ambiciosos, tais como a União Europeia, a Suíça, ou o Japão, irão enfrentar a tarefa de se comprometerem com medidas de redução de carbono. Vão precisar de reunir provas de que a transição para uma economia de baixo carbono é tanto tecnicamente exequível como lucrativa, resultando em efeitos positivos não apenas para o clima, mas também para os preços da energia e para a segurança da oferta.
O sucesso poderá impulsionar os outros países dos G-20, agindo por interesse próprio, a seguir os passos dos líderes no que se refere ao clima.
Este tipo de abordagem levaria a reduções significativas nas emissões. Segundo este princípio do topo para a base em voga na actualidade, seria impossível prever, com exactidão, o aumento de temperatura que o mundo iria sentir. Mas é questionável em quanto este aumento seria diferente. Dado que fixar um limite de temperatura não é uma opção viável do ponto de vista político, colocar a ênfase da agenda do clima em marcas de referência flexíveis, como a "neutralidade climática", seria muito mais eficaz no curto prazo e mais prometedor no longo prazo.
Oliver Geden é um investigador sénior do SWP, o maior "think tank" de política de segurança e de assuntos exteriores da Alemanha.
© Project Syndicate, 2010. www.project-syndicate.org Tradução: Diogo Cavaleiro
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Tradução: Diogo Cavaleiro
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