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Miguel Pina e Cunha - Professor
06 de Março de 2009 às 15:26

Cantinhos do Paraíso

A eleição das "melhores empresas para se trabalhar" transformou-se num dos rituais mediáticos no domínio da gestão. Todos os anos uma lista de empresas é escolhida como a fina-flor do emprego. A prática é meritória, por várias razões:

A eleição das "melhores empresas para se trabalhar" transformou-se num dos rituais mediáticos no domínio da gestão. Todos os anos uma lista de empresas é escolhida como a fina-flor do emprego. A prática é meritória, por várias razões: transmite ao mercado de trabalho informação sobre empresas de referência. Difunde boas práticas. Cria incentivos para a melhoria. Facilita a criação de imitações positivas, dessa forma aumentando potencialmente a fasquia das condições de vida. Ou seja, a publicação e celebração dos bons exemplos apresenta inúmeras vantagens. Além disso, investigação empírica (*) sugere que as melhores empresas para trabalhar são também mais bem sucedidas em termos de resultados.

No entanto, estes "rankings" padecem de um conjunto de problemas que lhes limitam a eficácia. Em primeiro lugar, as mudanças na composição das listas são problemáticas. É evidente que a lista apenas contempla as organizações que aceitam participar nas condições de participação, mas o facto de uma empresa que surge no topo da lista num momento não constar sequer do grupo das melhores nos anos seguintes não contribui para a consistência dos resultados. Em segundo lugar, o "ranking" cada vez mais se parece com um instrumento de relações públicas. Certamente que ele contém esse valor e nada de mal existe no facto, mas seria importante reflectir o lado menos positivo das melhores para se trabalhar. Alguém acredita, por exemplo, que a vida na Microsoft corre livre de problemas? Ou que trabalhar na Penha Longa é como passar umas férias de luxo durante o horário de trabalho? Certamente que não, mas não é isso que transparece da leitura das descrições que acompanham os casos. Estas curiosas narrativas sublinham facetas como desporto e acções sociais, passeios ao ar livre e ajuda ao ambiente, vistas privilegiadas sobre o Douro, estimulação da criatividade, equilíbrio trabalho/família, regalias sociais, bons salários. Tudo excelentes iniciativas. O problema, mais uma vez, é que o mundo real não é feito apenas de felicidade.

Mesmo para quem, como este vosso cronista mensal, vem apregoando as virtudes da positividade organizacional (**), tanta positividade pode fazer mal. O dito "mundo real" não é feito de piqueniques ou passeios no parque, mas da capacidade para aprender com o negativo e usá-lo como estímulo e motivação para melhorar numa base contínua. As breves narrativas de felicidade que são as descrições das melhores empresas para se trabalhar constituem, pois, exercícios retóricos superficiais. A apresentação de uma empresa como um cantinho do Paraíso plantado na Terra é, digo eu, um encantador exercício de puerilidade. Não, evidentemente, porque as organizações do "ranking" não possam mesmo ser as melhores para se trabalhar, mas porque não há organização nem trabalho bem feito sem esforço, dificuldade e pressão. Ora, nada disto transparece nas descrições das referidas empresas.

Uma das práticas de gestão de pessoas eventualmente merecedoras de maior destaque é a chamada antevisão realista da função. Refere-se à apresentação das coisas tal como elas são - com o bom e o mau. A probabilidade de um candidato se desiludir uma vez na organização é menor se o trabalho e a organização lhe forem apresentados, cá está, de forma realista. Se se pretender passar uma imagem dourada sem correspondência real, incorre-se num risco desnecessário. Uma curiosidade final: rara é a melhor empresa para trabalhar que enfatiza a paixão pelo cliente - uma única referência em 66 casos da lista que consultei. Os colaboradores/pessoas/funcionários/equipa são referidos 37 vezes na descrição sumária de cada caso. Um mero pormenor sem importância, ou algo mais que isso?

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