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Rui Cerdeira Branco
02 de Julho de 2008 às 14:00

Deixem-me especular

Recordam-se das apostas sobre quem ia ganhar o Euro 2008? Havia um grupo que especulava que ganharia Portugal, outro que a vitória seria da Espanha e por aí fora. Julgo que todos concordarão que essas apostas de nada valeram à determinação do vencedor. Mas, se em vez de apostas sobre resultados de futebol, ...

Mas, se em vez de apostas sobre resultados de futebol, estivermos a falar sobre apostas relativas ao preço do grão-de-bico, do trigo ou do petróleo daqui a uns meses ou anos, ainda estaremos todos de acordo quanto ao carácter inócuo das apostas sobre a definição do preço actual desses produtos?

Claramente, mais de meio mundo acredita que a especulação em torno do preço futuro dos produtos energéticos, minérios e alimentares extravasou a sua área habitual, saindo do casino e influenciando os preços praticados actualmente nos mercados grossistas e retalhistas internacionais. Mais de meio mundo, mas não todo o mundo. Por exemplo, numa insuspeita aldeia, perdão, comunidade de economistas, tantas vezes apelidados de esquerdistas, situada nos Estados Unidos, talvez liderada pelo prestigiado e agradavelmente prolixo economista Paul Krugman, crê-se que tal relação de causa efeito tem alguns buracos se analisarmos alguns casos correntes.

Krugman, que repetidamente tem declarado não defender nenhum a priori nesta matéria e que acredita de facto que é possível haver relação entre especulação e preços presentes, tem vindo a insistir no seu blogue e em alguns dos artigos que publica no New York Times que a evidência aponta para a inexistência de “crime”, pelo menos no que diz respeito ao mercado do petróleo. Ou seja, a evolução dos preços nos mercados de apostas não está a levar, de arrastão, a uma subida dos preços presentes; na realidade, estes últimos estão a subir mais do que os das apostas e não o oposto (artigo do blogue de 23 de Junho). Sendo certo que este é apenas um exemplo, o alerta de Krugman faz-me pelo menos não embarcar na onda de indignação contra os especuladores, esses malandros.

Após um período de choque e de ignorância sobre o que se estava a passar nos mercados, corre-se o risco de hiper-simplificar o problema, falhando assim a possibilidade de o entender verdadeiramente e de o atacar eficazmente, se for caso disso.

Feitas as leitura de Krugman, de opositores e de algumas cábulas académicas, como funcionaria então a especulação de modo a influenciar efectiva e “artificialmente” os preços correntes? A versão mais simples parece ser a que se segue. Se um produtor deixar de vender hoje o seu produto, comprometendo-se antes a vendê-lo apenas daqui a um ou dois anos a um preço predefinido (o tal das apostas), passando consequentemente a açambarcar o produto durante uma parte ou a totalidade desse período, de forma a conseguir ter a quantidade estipulada no contrato de futuros que firmou, então poderá de facto acabar por condicionar o preço desse produto já hoje. Sublinhe-se que tal condicionamento só acontecerá se não for possível aumentar a capacidade de produção, de modo a satisfazer a oferta actual e a futura. Ou seja, se houver um número suficiente de produtores que venham a preferir assinar contratos de futuros (os tais baseados em apostas sobre preços futuros) e isso acabar por ter consequências na oferta disponível hoje, então podemos de facto estar perante uma pressão sobre os preços presentes provocada indirectamente pelo andamento do “mercado de apostas”. Mas, se algum dos SE das frases anteriores falhar, o argumento de que a subida de preços se deve à especulação não colhe. E notem ainda que é preciso que os experimentados produtores “comprem a ideia” de que vender ao preço dos contratos de futuros é vantajoso. Muitos “ses” para que a relação entre o que se passa dentro do casino e o que se passa no mercado do bairro tenha sempre a relação directa em que agora se parece acreditar como um credo.

Mas de onde virá então esta aparente loucura colectiva?

Cada um terá a sua teoria. O certo é que a subida de preços está a ser rápida, continuada e generalizada. Sendo possível que alguns iluminados a tivessem antecipado com recurso à racionalidade (olhando para as crescentes necessidades de bens entre os países asiáticos, por exemplo), a grande maioria das pessoas, “autoridade responsáveis” incluídas, foi apanhada de surpresa. Aparentemente, como não tinham melhor teoria à mão do que a da especulação... A ideia de que uma subida de preços tão rápida “só podia ser obra de algum estratagema manhoso” colou facilmente. Por outro lado, a especulação pôs-se um pouco a jeito, como suspeito, devido à crise do sub-prime, uma crise marcada pela quebra da confiança em que o que parecia não era, tendo deixado ainda órfãs de investimento largas massas monetárias. Tudo sinais e características habitualmente partilhadas pelo especulador, aquele tipo tantas vezes confundido com um abusador que explora a credulidade dos outros em proveito próprio.

Aos poucos vão surgindo vozes que apontam para explicações menos apaixonadas para a subida de preços, aceitando que além de eventuais explicações pontuais para picos ou quebras, o fundamental é observar o cenário a médio e longo prazo. Um cenário que está para além da capacidade de intervenção especulativa ou mesma da política fiscal e que aponta claramente para um aumento estrutural do preço, particularmente, dos combustíveis e suas matérias-primas.

Mais do que fazer a apologia da especulação, pretendo ajudar a instalar a dúvida sobre que alvo prioritário escolher. No caso concreto dos combustíveis, parece-me que o ideal é arrepiarmos caminho no sentido de se racionar o consumo, aumentando de forma sustentável o bolo energético, em vez de nos centrarmos apenas em descobrir se alguém está a escondê-lo na gaveta e a ter de gerir uma insanável batalha pelas migalhas.

Paul Krugman, “Speculative Nonsense once again”, 23 de Junho de 2008: http://krugman.blogs.nytimes.com/2008/06/23/speculative-nonsense-once-again/

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