Fundamentos do salário mínimo: análise económica e significado simbólico
Tudo indica que a actualização, em preparação, do valor do salário mínimo nacional português será acompanha pela introdução de factores suplementares de rigidez no mercado de trabalho.
De facto, as notícias indicam que o salário mínimo será indexado a vários indicadores, entre os quais a inflação.
A ocorrer, esta medida vai no sentido contrário aquele em que se deveria desenvolver mercado trabalho português.
Em torno do salário mínimo têm-se desenvolvido os mais significativos mitos económicos do século XX. O salário mínimo assumiu funções simbólicas muito importantes; é assim natural que no actual momento da vida nacional se recorra a este símbolo para compensar os efeitos políticos da acção noutras áreas.
Acresce que nos chega da América um impulso adicional nesta direcção. Seguindo a vontade dos vitoriosos democratas, o Congresso americano prepara-se para decretar um substancial aumento do salário mínimo de $5,15 para $7,25/ hora e, eventualmente, proceder igualmente à sua indexação à inflação.
Os argumentos que já se avançaram em Portugal para justificar as medidas em preparação são largamente tributários do debate sobre o assunto ocorrido no outro lado do atlântico. Por outro, lado aqueles argumentos não encaixam bem na situação portuguesa. Mas os próprios argumentos merecem em si alguma reflexão.
O melhor texto(1) de análise económica do salário mínimo deve-se ao grande Stigler, no já longínquo ano de 1946. Desde então que se conhecem, com rigor, os efeitos nefastos sobre o emprego da fixação do salário mínimo acima do salário de equilíbrio de mercado, ressalvando-se naturalmente eventuais situações de monopsónio coexistentes com salários artificialmente estabelecidos abaixo do valor do mercado concorrencial. A análise mostra as potenciais deficiências do salário mínimo como instrumento de luta contra a pobreza e a desigualdade. São adicionalmente evidenciados importantes efeitos perversos, nomeadamente a redistribuição de oportunidades em prejuízo dos trabalhadores menos qualificados e mais necessitados.
As análises posteriores a Stigler só são interessantes na medida em que constituem tentativas de avaliação empírica daqueles contributos teóricos.
No entanto, o texto mais citado sobre este assunto não é o de Stigler. Actualmente o estudo mais conhecido e utilizado é uma análise empírica do emprego em certos restaurantes de comida rápida numa dada região dos EUA. Este estudo, da autoria de David Card e Alan Krueger(2), foi publicado há pouco mais de 10 anos num contexto de hegemonia clintoniana. A análise pretendeu demostrar, contra o estabelecido por Stigler, que não existem efeitos nocivos sobre o emprego, encontrando, pelo contrário várias evidências da bondade da utilização deste instrumento de política económica. Trata-se, na verdade, de um verdadeiro texto de referência pesar das evidentes fragilidades que contém. A análise empírica desenvolvida recai sobre uma região e um ramo de actividade bem precisos e recorre a métodos de recolha de informação extremamente precários e muito discutíveis. No entanto, o momento da publicação e a conveniência política dos resultados apresentados minimizaram estes aspectos e transformaram o estudo num clássico frequentemente citado e utilizado. O seu impacto foi enorme, ao ponto de numerosos autores de textos universitários de introdução à economia se julgarem obrigados a citarem aquele estudo; muitos deles, inclusivamente, modificaram, em consequência, parte substancial da análise que anteriormente expunham aos jovens aprendizes de economia. O caso extremo de Joseph Stiglitz é, porventura, o mais paradigmático, ao inverter completamente, nas últimas edições, o sentido da análise apresentada nas edições iniciais.
A enorme carga ideológica e o forte significado simbólico sobrevalorizou o estudo de David Card e Alan Krueger e obscureceu o debate desta matéria, que persiste polémica. Na verdade, existem fortes argumentos que prejudicam a bondade dos passos que agora vão ser dados no nosso país.
Primeiro, a argumentação original de Stigler permanece teoricamente válida e relevante.
Segundo, os numerosos estudos empíricos divulgados apresentam conclusões contraditórias, mas de nenhum modo vão significativamente ao encontro do super citado estudo de David Card e Alan Krueger. Pelo contrário, numerosas análises empíricas têm confirmado a análise teórica de Stigler; apenas a título de exemplo, pode citar-se um estudo de Finis Welch, Danald Deere e Kevin Murphy, que, estudando o período 1989-1991, verificaram, para o aumento do salário mínimo americano de 1990, que um aumento de 10% daquele salário provocou uma quebra de 1 % mo emprego.
Terceiro, o contexto português exigiria que se actuasse no mercado do trabalho no sentido da flexibilidade e não provocando rigidez adicional.
(1) David Card e Alan Krueger, Myth and Measurement: The new Economics of Minimum Wage, Princeton University Press, Princeton, N. J., 1995. (2) E. J.Stigler, "The Economics of minimum wages legislation", American Economic Review, Junho de 1946.
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