Ideologias e os peixinhos no aquário (*)
Milhões de euros em recessão foi quanto se perdeu desde o começo da crise em resgates e outras anedotas promovidas por agiotas armados em ideólogos.
Milhões de euros em recessão foi quanto se perdeu desde o começo da crise em resgates e outras anedotas promovidas por agiotas armados em ideólogos. Os planos não vão fracassar, já fracassaram. A meio da década passada, a Alemanha tinha um seríssimo problema de competitividade; recuperou com vendas dos seus produtos industriais e tecnológicos aos seus parceiros europeus - que se endividaram, através de políticas da União Europeia concertadas e chanceladas pelos 17, para os poder comprar. Quanto à corrupção, sugiro consulta aos casos escondidos pela néscia imprensa lusa, que envolvem a Siemens, a Daimler ou a Ferostaal (dos submarinos) em órgãos sérios e interessados como o "Der Spiegel" ou o "Financial Times". Na net, perto de si.
"Tudo o que quis saber sobre as contas públicas mas teve vergonha de perguntar" é o título do artigo que João Pinto e Castro publicou neste jornal há uns dias. Entre vários pontos, destaco quatro, que contribuem, em muito, para que se perceba a mentira política em que vivemos, e a violência ideológica exacta com que, através do equívoco, se desresponsabiliza a governação. Cito:
- "A despesa pública em proporção do PIB atingiu um máximo em 1993 (46%), depois desceu ligeiramente e só voltou a esse nível, superando-o inclusive, na sequência da crise financeira mundial declarada em 2008. O país sabe conter eficazmente despesa pública, tanto mais que já o fez no passado.
- O défice das contas públicas atingiu o seu máximo absoluto, segundo o Banco de Portugal em 1981 - um legado de Cavaco Silva, ao segundo governo da Aliança Democrática. Nunca mais se viu nada assim.
- Em 1986, o sector público absorvia 71,7% do crédito total à economia. Em pouco mais de uma década a situação inverteu-se totalmente, de modo que, em 1999, as empresas e as famílias já absorviam 98% do crédito disponível. A economia não está hoje abafada pelo Estado.
- Também o investimento público foi baixando progressivamente até aos 3% do PIB em 2008. Em 2009 subiu um pouco, ficando ainda assim abaixo dos máximos do início da década. Como é possível continuar-se a invocar o excesso de investimento público para explicar as presentes dificuldades financeiras do Estado?"
Também durante as últimas semanas, Paulo Morais - que abandonou com ruído o Executivo de Rui Rio à frente da Câmara Municipal do Porto, onde foi vereador do urbanismo entre 2002 e 2005 - escreveu no "Correio da Manhã" aquilo que todos sabem, Dr. Passos Coelho incluído, acerca do "novo" ciclo eleitoral que "já mexe", as Autárquicas 2013: "Os políticos, em geral, também não se queixam do sistema. Afinal, receber milhões em 'cash' dá muito jeito. Não faltará dinheiro para as campanhas, poder-se-á pagar jantares a milhares de idosos devidamente angariados nos lares; as juventudes partidárias disporão de camionetas para transportar os rebanhos de apoiantes, não haverá restrições nas campanhas para presidentes de câmara. As direcções nacionais dos partidos nada farão nem impedirão estas negociatas. Também elas se servem dos mesmos mecanismos. Quem transforma as suas sedes nacionais em autênticos 'offshores', quem armazena milhões de euros em notas, não tem autoridade para moralizar as suas secções regionais e locais."
Os peixinhos no aquário - por mais inertes que sejam ou por mais que os tragam atordoados - acabarão por saltar fora do refúgio se a água à sua volta estiver a ferver. Fugindo ao desespero, porém, façamos o que nos compete por princípio: Dr. Passos Coelho desapareça, eternize-se, leve o Dr. Relvas a jantar, mais o Dr. Borges e os inúteis com quem andou a fazer de conta que discutia o Orçamento na Assembleia da República. Mas deixe o Estado em paz, se não tem coragem para coçar onde é preciso. Quem é que vai conduzir à política económica que nos vai libertar da providência e decência que até hoje só o Estado nos pôde garantir? O Dr. Álvaro?
(*) Deve ser lido em tríptico com os textos que aqui publiquei nas duas útimas semanas, "Ideologias e um cardume de sardinhas" e "Ideologias e um bando de tubarões".
Mais lidas