Intervencionismo vs. liberalismo
O eixo intervencionismo-liberalismo é um dos mais relevantes na localização ideológica. Este eixo deve ser visto como uma linha contínua e não como dois pontos extremos. Ou seja, não é uma escolha “sim ou não” mas sim uma escolha “mais ou menos”. Até mead
Nixon (presidente Republicano, conservador) afirmou em 1971: “Agora sou um keynesiano” [intervencionista].
Nesta década de 70 vai dar-se uma mudança tectónica, com o liberalismo a passar a ocupar a mó de cima. Primeiro com o reconhecimento aos seus teóricos, com o Nobel da Economia (recém-criado em 1969) a ser atribuído a Friedrich von Hayek (1899–1992) em 1974 e a Milton Friedman (1912-2006) em 1976. A passagem à prática política dá-se com a vitória de Margaret Thatcher nas eleições legislativas no Reino Unido em 1979.
Esta onda liberal vai espalhar-se a todo o mundo. Veja-se o exemplo muito relevante das privatizações que percorreram toda a Europa, Ásia, América Latina e África. Também os ventos da globalização (no sentido estrito de liberalização de trocas comerciais) resultam deste movimento tectónico liberalizador. Por isso um socialista poderia dizer que, hoje, somos todos liberais.
Em Portugal o esquerdismo em fim de ciclo (internacional) do 25 de Abril atrasou esta transição e só a revisão constitucional de 1989 acabou com a irreversibilidade das nacionalizações de 1975 e permitiu o início das privatizações e liberalizações consequentes (desmantelamento de monopólios).
Entretanto quase todos os partidos políticos portugueses acompanharam esta mudança tectónica e são hoje muito mais liberais do que eram em 1976, para saltar por cima dos desvarios do PREC. A excepção mais relevante é o PCP, que gostaria que o tempo tivesse parado algures antes da queda do muro de Berlim.
Há hoje o equívoco de que o PS estaria a ocupar o espaço do PSD, colocando este numa crise de identidade. Será assim? Neste ponto, é importante distinguir entre gestão e ideologia, conceitos que, sendo diferentes, estão interligados. Consolidar as contas públicas (ainda por cima sob uma ameaça de Bruxelas) é sobretudo uma matéria de gestão. Já a forma como se faz essa consolidação pode revelar a ideologia implícita. Uma consolidação baseada na redução da despesa será mais liberal (redução do peso do Estado), enquanto uma consolidação baseada na subida da receita será mais intervencionista. Pode-se admitir que neste ponto poderá haver dificuldade de distinguir entre PSD e PS, já que ambos, em teoria, defendem uma redução da despesa mas, na prática acabaram ambos por actuar mais do lado da receita.
O PSD poderá ter a “desculpa” de ter visto a sua política interrompida (embora a fase final seja indesculpável), e está mais próximo da visão de menor Estado. Mas convém lembrar que o sucesso do PS do lado da receita contou com uma fortíssima ajuda, de Paulo Macedo, director geral dos impostos, nomeado em Abril de 2004 (sob grande contestação do PS) por Manuela Ferreira Leite, que não pôde beneficiar quase nada desta contratação porque saiu do governo apenas três meses depois.
Se na política orçamental ainda poderá haver algumas confusões, elas dissipam-se em outras matérias, como seja a lei das rendas. O PSD tinha quase aprovada uma lei liberalizante que o PS substituiu pelo Novo Regime de Arrendamento Urbano (NRAU), que se revelou “insuficiente para agilizar este mercado” (Público: 44-45, 8 Maio 08). Aqui “agilizar” é a palavra chave. Este NRAU é um monstro de um intervencionismo hiperburocratizado e incompetente. O número de rendas actualizadas com esta nova lei é pateticamente reduzido. “Insuficiente” também é uma excelente piada. Como se o NRAU fosse na direcção certa, apenas com intensidade insuficiente.
Finalmente, para completar a asneira, como a intervenção pública destruiu o mercado, o PS quer dar incentivos fiscais ao arrendamento. Esta mania de gastar dinheiro a corrigir os erros que o próprio Estado cria é de gritos. Não seria mais barato deixar o mercado funcionar? Liberalizar?
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