pixel

Negócios: Cotações, Mercados, Economia, Empresas

Notícias em Destaque
Frederico Bastião
23 de Janeiro de 2009 às 13:00

O carro de Larry Flynt

Estou entre aqueles que depositam (termo pouco usado nos dias de hoje) grande esperança no Presidente Obama e que acreditam que vai haver uma grande mudança na política americana e, quiçá, no Mundo inteiro. Já não era sem tempo, olhando para todas as arbitrariedades e erros da Administração anterior. Nestes últimos tempos,...

Nestes últimos tempos, uma arbitrariedade que me revoltou foi o nada ter sido feito por uma indústria com grande implantação nos EUA, que exporta em quantidade e qualidade para todo o Mundo: a indústria do entretenimento para adultos (deixem-me chamar-lhe assim por falta de melhor tradução, que pior há).

Pois é, meus queridos leitores, um conjunto importante de figuras representativas do sector, os senhores Heffner, da "Playboy", Flynt, da "Hustler", e Davis, da "Girls Gone Wild", reclamam ao governo americano uma ajuda extraordinária de 5 mil milhões de dólares – uma parte ínfima dos auxílios que vão ser concedidos – para um sector que emprega uma parte não desprezável nem desprezível da população americana e que é imprescindível: como salienta Flynt, "os americanos podem viver sem carro, mas não podem viver sem sexo". E a mim, pessoalmente, irrita-me estarem sempre a ser criados subsídios e outras benesses com o argumento da discriminação positiva e agora, para uns desgraçados a cujo trabalho só é reconhecido mérito às escondidas, fazer-se uma discriminação negativa, do tipo "vai para todos menos estes". Mesmo não concordando com a coisa em si, há que reconhecer que a hipocrisia tem limites: se servem para pagar impostos, têm os mesmos direitos que os outros.

De facto, quando pensamos nisso, muito mais merecem os senhores Hefner e companhia que, por exemplo, o sector automóvel, que vai ser contemplado com centenas de milhares de milhões. Com efeito, o entretenimento para adultos é uma actividade de trabalho intensiva, logo, mais favorável à criação de emprego. É dificilmente deslocalizável, pois não estamos propriamente a falar de "call centers", mas sim de "call girls" para as quais é mais importante a proximidade; o automóvel já está quase totalmente deslocalizado e o que falta deslocalizar é só uma questão de tempo. Mas mais importante que tudo isto, trata-se de um bem público: quando a "Playboy" divulga um vídeo na televisão ou na Internet, uma pessoa estar a vê-lo não prejudica em nada a qualidade do visionamento de outro espectador – o vídeo é não rival no consumo. E, por outro lado, quando um vídeo é vendido, se alguém o coloca num "site" de "downloads", toda a gente passa a ter acesso a ele, logo, torna-se impossível excluir alguém do seu usufruto – esta impraticabilidade da exclusão é outra características dos bens públicos. E sob o ponto de vista da teoria económica é mais natural que o Estado auxilie uma indústria de bens públicos que o automóvel, privado por excelência.

E o sector precisa desesperadamente de auxílio, pois está a passar por "hard times". Num documento enviado em Outubro passado ao regulador (do mercado de capitais, a Securities and Exchange Commission), a Playboy comprometia-se a levar a cabo um programa de redução de efectivos que levaria inclusive ao despedimento de parte dos seus trabalhadores. Quando a "miss July" é despedida, é porque é sério!

E os problemas que a indústria tem são também culpa do Estado. Como disse Jonathan Berr, porque razão hei-de comprar uma vaca se posso ter o leite de borla? Com o produto acessível na Internet, para quê comprar revistas ou vídeos? As vendas caíram e as receitas da publicidade caíram com elas, porque o Estado é incapaz de defender a propriedade intelectual (não se riam, é propriedade intelectual!) e evitar que as cópias piratas circulem por todo o lado. Mas como se isto não bastasse, salienta Chris Dillow, a actividade sofreu ainda mais com as "amadoras", que se apresentam na Net de borla. Como pode então, pergunta Dillow, resistir-se a piratas e a quem pratica preços predatórios ou "dumping"? Nestas condições, salienta, o governo tem mesmo que ajudar o sector.

Mas então porque não dá a Administração americana a mão à palmatória? Só encontro uma razão: depois da farra das ajudas aos bancos e da "rave" dos apoios ao sector automóvel, era só isto que faltava para que se dissesse que a política económica americana está transformada num autêntico bordel.

Frederico Bastião é Professor de Teoria Económica das Crises na Escola de Altos Estudos das Penhas Douradas. Quando perguntámos a Frederico se é leitor da Playboy, Frederico respondeu: "Estou a pensar vir a sê-lo. A política portuguesa já não me excita!"

Ver comentários
Ver mais
Publicidade
C•Studio