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José Cutileiro - Embaixador
09 de Outubro de 2012 às 23:30

O corte em cem bocados

Vai ser demorado. A redução de grandes dívidas públicas exige consolidação fiscal, incluindo reformas que previnam crises futuras, e políticas que estimulem crescimento económico. Mas é preciso dosear melhor o remédio porque senão, antes de se acertarem as contas, mata-se a democracia.

O método do corte em cem bocados para execução de um condenado à morte, praticado na China até 1905 (a morte só devia sobrevir com o centésimo corte) lembra a austeridade imposta pela Alemanha (como se fosse um castigo), calibrada pela "troika" – CE, BCE, FMI - e executada pelos respectivos governos para pôr no são as finanças de Portugal, Grécia, Irlanda, Chipre, qualquer dia Espanha, a seguir talvez Itália, depois Eslovénia – quiçá outros ainda. Só que enquanto os chineses sabiam o que faziam e o público gostava do espectáculo (não havia televisão) os paladinos da nossa austeridade julgam que estão a salvar a Europa quando estão na realidade a dar cabo dela e os públicos (tirando, por enquanto, o público alemão) abominam o que está a acontecer.

Que governos nacionais, instituições europeias e grande parte dos economistas não tenham ainda dado por isso - ou assobiem para o lado - faz a maior das confusões. Talvez estivessem convencidos de que para fazer crescer o PIB "per capita" fosse preciso tornar os mercados cada vez mais livres e de que as desigualdades sociais resultantes eram o preço a pagar. Considerar tais convicções axiomas e destes pôr a deduzir teoremas cabeças cheias de matemática, mas vazias de bom senso, de história e de literatura que ajudam a percebermos como somos, baralhou mais as coisas e ajudou a cavar o buraco em que nos encontramos. Seja como for, porém, continuar a tirar dinheiro dos bolsos de cada um (com o fito de encher num futuro distante o bolso comum de todos) está a despertar xenofobia e proteccionismo lembrando os dos fascismos dos anos 30 do século passado e milenarismos de esquerda que se julgavam extintos e que também se sabe a que horrores levam. Sem dramatizar julgo que valeria a pena dar um jeito a tudo isto antes que seja tarde demais, isto é, antes que os europeus regressem ao passatempo multisecular de malharem uns nos outros.

Vai ser difícil. Entre os ajustes que será preciso fazer à roda do euro e o avantajamento recente dos concorrentes comerciais da Europa (avantajamento que, mesmo sem crise, se teria verificado) os europeus sairão da crise menos ricos e menos fortes do que eram antes. Se tiverem tino e ficarem unidos continuarão a ser pólo económico e comercial do mundo, parceiro indispensável dos Estados Unidos em questões de segurança e bastião igualmente indispensável da defesa de direitos civis e políticos (e da liberdade de criação: "vide" Prémio Nobel, Prémio Camões, Prémio Goncourt, Prémio Príncipe das Astúrias, etc.). Se não tiverem tino e for cada um para seu lado levarão vidas desconfortáveis e pouco seguras.

Vai ser demorado. A redução de grandes dívidas públicas exige consolidação fiscal, incluindo reformas que previnam crises futuras, e políticas que estimulem crescimento económico. Mas é preciso dosear melhor o remédio porque senão, antes de se acertarem as contas, mata-se a democracia. Coisa que os alemães deviam saber melhor do que nós todos.

Embaixador

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