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Simon Johnson
06 de Setembro de 2012 às 10:22

O excepcional conservadorismo fiscal americano

Na maioria dos países, ser fiscalmente conservador significa preocupar-se muito com os níveis do défice orçamental e da dívida pública – e empurrar estas questões para o topo da agenda política.

Na maioria dos países, ser “fiscalmente conservador” significa preocupar-se muito com os níveis do défice orçamental e da dívida pública – e empurrar estas questões para o topo da agenda política. Hoje, em muitos países da Zona Euro, os “conservadores fiscais” são um grupo poderoso, que insiste na necessidade de aumentar a receita do Estado e controlar a despesa. Recentemente, também no Reino Unido os conservadores mostraram-se dispostos a aumentar os impostos e a limitar as despesas futuras.

Os Estados Unidos são muito diferentes a esse respeito. Lá, os líderes políticos que se apelidam a si próprios de “conservadores fiscais” – como por exemplo Paul Ryan, novo candidato à vice-presidência que fará campanha juntamente com Mitt Romney, candidato à presidência, nas eleições de 6 de Novembro – preocupam-se mais com a redução de impostos, independentemente do efeito que tenha no défice federal e na dívida total. Porque é que os conservadores fiscais dos Estados Unidos se preocupam tão pouco com a dívida governamental, em comparação com os seus homólogos de outros países?

Nem sempre foi assim. Por exemplo, em 1960, os assessores do presidente Dwight D. Eisenhower sugeriram que ele reduzisse os impostos com o objectivo de preparar caminho para o seu vice-presidente, Richard Nixon, ser eleito presidente. Eisenhower não aceitou, em parte porque não gostava muito de Nixon nem tinha muita confiança nele, mas sobretudo porque considerava importante entregar um orçamento quase equilibrado ao seu sucessor.

O quadro da política macroeconómica dos Estados Unidos mudou drasticamente quando o sistema monetário internacional colapsou em 1971. Os Estados Unidos já não podiam manter uma taxa de câmbio fixa entre o dólar e o ouro – a pedra angular do sistema pós-guerra de Bretton Woods. O acordo colapsou porque os Estados Unidos não quiseram apertar a política monetária e aplicar uma política fiscal mais restritiva: manter os eleitores americanos felizes era mais importante para o presidente Nixon do que manter um sistema global de taxas de câmbio fixas.

Ironicamente, contudo, em vez de minar a predominância internacional do dólar dos Estados Unidos, o fim de Bretton Woods impulsionou, na verdade, a sua utilização em todo o mundo. Muito já foi escrito acerca do declínio do dólar ao longo das últimas quatro décadas, mas a verdade é que os activos em dólares americanos detidos por estrangeiros são muito maiores actualmente do que eram em 1971.

Esta situação acaba por ser uma faca de dois gumes, porque permitiu aos Estados Unidos preocuparem-se menos com as suas contas fiscais. Os estrangeiros já detêm cerca de metade de toda a dívida do governo federal dos Estados Unidos, e estão dispostos a conservá-la quando oferece uma rendibilidade muito baixa em dólares (e mesmo quando o dólar desvaloriza).

De facto, sempre que o mundo parece instável, os investidores querem ter mais activos em dólares – mesmo quando os Estados Unidos são a causa da instabilidade. Quando os grandes bancos dos Estados Unidos estão em dificuldades ou quando os americanos travam outra debilitante luta política em torno das suas finanças públicas, os investidores mundiais lutam pelos títulos do Tesouro dos Estados Unidos. No ano passado, o confronto no Congresso sobre o tecto da dívida federal pode ter custado aos Estados Unidos o seu “rating” AAA atribuído pela Standard & Poor’s, mas os custos do financiamento do governo federal são menores agora do que eram nessa altura.

O que tem feito a América com esta oportunidade – provavelmente os custos de financiamento mais baixos da história da humanidade? Não muito, em termos de investimento produtivo, fortalecimento da educação, ou manutenção das infra-estruturas essenciais. Mas os Estados Unidos têm feito muita coisa em termos de aprovação de reduções de impostos que aumentam o consumo em relação ao rendimento e reduzem a receita do governo em relação à despesa. Este é o legado duradouro das reduções “temporais” de impostos aprovadas pelo governo de George W. Bush no início de 2000.

E os americanos inclinaram-se, em grande medida, para as filosofias políticas – à direita ou à esquerda – que consideram a dívida pública apenas uma distracção. Ou, como disse o vice-presidente Dick Cheney, “Reagan ensinou-nos que os défices não importam” – referindo-se ao facto de Reagan ter reduzido os impostos, aumentando os défices, e não ter sofrido consequências políticas adversas.

Não há dúvida que Ryan e os membros da ala Tea Party do Partido Republicano querem reduzir o tamanho do governo federal, e formularam planos para faze-lo ao longo de várias décadas. Mas, no curto prazo, o que prometem é sobretudo redução de impostos: todo o seu programa segue esta direcção. A ideia é que isso será politicamente popular (provavelmente verdade), e que, com o tempo, facilitará a implementação de cortes na despesa (menos óbvio). A vulnerabilidade que será causada pelo aumento da dívida pública ao longo das próximas décadas é simplesmente ignorada.

Por exemplo, Ryan apoiou a farra de despesas de George W. Bush. Também defende a manutenção dos gastos com a Defesa no seu nível actual – resistindo aos cortes que foram instituídos pela Lei de Controlo Orçamental de 2011.

O pressuposto aqui – não declarado e altamente discutível – é que os Estados Unidos serão capazes de vender uma quantidade ilimitada de dívida pública a juros baixos durante o futuro previsível. Não há nenhum outro país no mundo onde os conservadores fiscais desejariam ser associados com uma tal aposta de alto risco.

Simon Johnson, antigo economista-chefe do FMI, é co-fundador do blogue de economia, The Baseline Scenario, professor do MIT Sloan, membro sénior do Peterson Institute for International Economics, e co-autor, com James Kwak, de “White House Burning: The Founding Fathers”, Our National Debt, and Why It Matters to You”.

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