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Nicolau do Vale Pais
13 de Dezembro de 2010 às 12:01

Oliveira, Património Mundial

Muito antes do Secretariado Nacional de Informação

Muito antes do Secretariado Nacional de Informação (o S.N.I., criado em 1935) se dar conta da importância propagandística do cinema para o antigo regime, Aurélio da Paz dos Reis, empresário do Porto, apresentava “A saída do pessoal operário da fábrica confiança” em 1896: começara o Cinema em Portugal.

E se as primeiras três décadas são de crescimento em linha com o que pela Europa se passava ao nível da evolução no género e meios, com o advento da sonorização e a industrialização da sétima arte a partir da década de trinta, o Estado Novo vem inaugurar um obscuro traço da nossa cultura (politica) que ainda hoje perdura no seu populismo despesista e inconsequente - o do financiamento directo do sucesso comercial. Moral e etnofantasia são a propaganda ideológica feita com fundos públicos - auto-referenciado, o sucesso exibe-se, ontem como hoje, para apaziguar as consciências pesadas.

Um homem e um filme, no entanto, rompem com esta condenação - Manoel de Oliveira e “Aniki Bóbó”, de 1946. Projectado pela primeira vez a escassos dias da consoada, o filme é a primeira longa-metragem de ficção do cineasta, e é baseado no conto “Os Meninos Milionários” de João Rodrigues de Freitas (1908-1976). Antecedido pela poesia em celulóide do documentário “Douro, Faina Fluvial” de 1931, “Aniki Bóbó” é uma “viagem à infância através do olho da memória”, contando, no cru cenário do centro histórico do Porto - também ele Património Mundial, como Oliveira! - as aventuras e amores de um grupo de crianças, medos e esperanças. Com “O Pintor e a Cidade” de 1956, Manoel de Oliveira fecha o círculo de obras com que resgatou o cinema das mãos do perigoso, paternalista e indolente ditado da propaganda contabilístico-ideológica.

Por esse contributo para a nossa maioridade lhe agradecemos, e pela centésima segunda vez lhe damos os parabéns pelo seu aniversário que amanhã comemora (pedimos desculpas pela antecipação, mas o Negócios não sai ao sábado...). Aguardamos não ter de o imitar no seu desafio à longevidade para chegar ao dia em que o Estado, na defesa do seu próprio interesse, nos presenteie com a elementar ideia de, por exemplo, mostrar estas suas três obras em horário decente - já nem digo nobre. E depois de aumentadas as reais possibilidades de escolha da massa anónima a que chamamos “o público”, poderemos então começar a falar de “mercado”.

“Segue sempre por bom caminho”, é o que reza a sarapilheira da sacola de Carlitos; lá dentro, está a boneca cobiçada na “Loja das Tentações” para oferecer como prova de amor, para sentir como nota de culpa.

A obra de Manoel de Oliveira é a máxima “uma imagem vale mil palavras” reinventada; velhos são os trapos.

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