Salários
No longo prazo, os salários tendem a evoluir de acordo com a produtividade.
No curto prazo, no entanto, podem surgir desfasamentos significativos entre os salários médios e a produtividade, gerando desequilíbrios macroeconómicos. Tais desfasamentos são fáceis de corrigir quando é a produtividade que cresce à frente dos salários: como nesse caso é vantajoso para as empresas aumentar o número de trabalhadores, a competição pelo trabalho tenderá a elevar os salários até que a relação de longo prazo seja atingida. Quando, em contrapartida, os salários crescem à frente da produtividade, a convergência para o equilíbrio é mais complicada. Isto porque o ajustamento pressupõe uma descida de salários nominais e estes - lá dizia Keynes - são rígidos à descida.
Em Portugal, ao longo de vários anos, os salários "médios" evoluíram mais depressa do que a produtividade. Tal evolução foi possível num contexto em que o sector produtivo se voltou para a produção de bens menos expostos à concorrência externa (na gíria, os "não transaccionáveis"), ao mesmo tempo que a economia se afastava do seu equilíbrio de longo prazo. É importante notar que a subida dos salários médios em Portugal traduziu, em larga medida, efeitos ao nível da composição do emprego: isto é, à medida que o emprego se moveu da indústria para os serviços, o salário médio aumentou porque os salários nos serviços são em média mais elevados do que na indústria. Na indústria, a necessidade de aumentar os salários na mesma proporção resultou em despedimentos e na falência de empresas com menor produtividade, mas os salários mantiveram-se, em média, mais baixos do que nos serviços.
Sem dúvida, o retorno ao equilíbrio exige agora uma reafectação da produção e do emprego em favor dos sectores exportadores. Tal retorno só não se deu mais cedo porque Portugal beneficiou de condições de financiamento muito favoráveis, no contexto da sua participação na Zona Euro. Na sequência da crise internacional, no entanto, o agravamento das condições de acesso ao crédito externo e a brutal contracção da política orçamental estão a implicar uma forte contracção da procura interna. Nesta fase, não há alternativa à exportação (incluindo o turismo).
Felizmente, a evolução recente do lado das exportações tem sido muito positiva: Químicos, madeira e papel, têxteis, minérios e metais, material de transporte e energéticos, todos esses sectores lograram crescer a dois dígitos de Janeiro a Agosto. Entre os principais mercados, a Espanha regressou ao topo da tabela dos que mais contribuem para o crescimento das exportações portuguesas, mesmo estando aquela economia a crescer menos do que as outras. Essa é sem dúvida uma boa notícia, pois o nosso vizinho é, entre os clientes tradicionais de Portugal, aquele que adquire um leque de produtos mais diversificado.
No entanto, daqui até que o sector exportador venha a absorver o desemprego que está a ser gerado nos sectores dependentes da procura interna vai um passo muito longo. Por um lado, as empresas exportadoras debatem-se com margens curtas e não estarão dispostas a abrir muito os cordões à bolsa num contexto de elevada incerteza fiscal, restrições ao crédito e retoma pouco vigorosa da conjuntura mundial. Tanto mais que paira no ar a ameaça de uma sobretaxa contributiva sobre quem recorre a trabalhadores independentes (genial!!). Por outro lado, muitos trabalhadores oriundos dos serviços estarão pouco tentados a ingressar na indústria, onde os salários em média são mais baixos, sobretudo se tal mudança envolver a perda de benefícios de experiência adquirida na actividade anterior. Finalmente, podem existir dificuldades adicionais, decorrentes da divergência geográfica entre as actividades ligadas ao mercado interno e as actividades ligadas à exportação.
Dizem uns que o problema se resolveria facilmente se Portugal abandonasse o euro. Nesse caso, o banco central aliviaria a restrição orçamental do Estado comprando dívida pública e a inflação resultante iria corroer os salários nos sectores ligados aos serviços o suficiente para tornar interessante o ingresso na indústria. Mas tal implicaria o retorno à inflação elevada, a frustração de expectativas entretanto criadas e o isolamento do País relativamente ao processo de construção europeia. Custos demasiado elevados, certamente, para fazer face a um problema conjuntural.
Loucuras à parte, o que as autoridades económicas podem fazer é ajustar os instrumentos remanescentes de forma a induzir uma reafectação mais rápida do emprego em favor da produção de bens transaccionáveis. Nesse sentido, são bem-vindas as mudanças recentemente introduzidas nas regras de atribuição do subsídio de desemprego, na medida em que incentivam os desempregados a ser mais tolerantes relativamente às novas oportunidades. Também a descida dos salários nominais na Função Pública em 2011 poderá abrir portas para, em sede de contratação colectiva, e atendendo às especificidades de cada sector, trabalhadores e entidades patronais se entenderem quanto aos níveis salariais mais adequados a cada caso.
Uma via que tem sido há muito apontada para favorecer o ajustamento é a redução das contribuições para a Segurança Social, tendo como contrapartida o aumento das taxas do IVA. Tal prescrição - recentemente preconizada pela OCDE - implicaria uma redução dos custos salariais para as empresas, incentivando as exportações, ao mesmo tempo que penalizaria a despesa, concorrendo ambos os factores para o restabelecimento do equilíbrio externo. Infelizmente, na altura em que havia condições orçamentais para o fazer tal não foi feito, agora, é tarde.
Docente Universitário Coluna à terça-feira
Coluna à terça-feira
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