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Pedro Passos Coelho
06 de Fevereiro de 2009 às 11:26

Uma nova ambição

O Governo tem respondido à crise de forma bastante sintomática: sem GPS para se guiar, como confessou o ministro das Finanças, abre linhas de crédito em todas as frentes; prevê incentivos e estímulos fiscais diversos; defende um pequeno desagravamento de certos impostos

O Governo tem respondido à crise de forma bastante sintomática: sem GPS para se guiar, como confessou o ministro das Finanças, abre linhas de crédito em todas as frentes; prevê incentivos e estímulos fiscais diversos; defende um pequeno desagravamento de certos impostos e contribuições sociais; inscreve o agravamento de várias despesas, nomeadamente na área social mas não só; promete apoio para salvar todas as empresas que puder; nacionaliza bancos e incentiva outros bancos a intervir nos que não tem coragem de nacionalizar; confere avais para financiamento externo; e cria linhas destinadas à recapitalização do sector financeiro.

Por fim, insiste numa política de grandes investimentos públicos, apresenta pequenos novos investimentos públicos que já devia ter realizado e começa a pagar as dívidas que durante anos o Estado acumulou junto das empresas.

Não dispondo dos antigos instrumentos de política macroecómica baseados na manipulação da taxa de juro e da taxa de câmbio, o Governo mexeu em quase todos os restantes para mostrar que está a fazer tudo ao seu alcance para suavizar a crise. E se calhar está, mas disparando a esmo em todas as direcções, isto é, sem estratégia, o Governo está também a agravar os problemas estruturais da sociedade portuguesa e a deixar o País em piores condições para futuro.

É importante combater este desalinho de respostas e mostrar que há um caminho coerente e diferente para trilhar. Nesse caminho as respostas de curto prazo não podem deixar de estar alinhadas com os objectivos de médio e longo prazo, mesmo quando se trata de tomar medidas excepcionais em tempos excepcionais.

Enunciemos os dois principais objectivos de médio e longo prazo. Em primeiro lugar, o objectivo de inverter o actual perfil de poupança pública e privada, ou melhor, de falta dela. Sem isso não conseguiremos evitar a contínua fuga de riqueza para o exterior nem dinamizar o investimento num quadro de menor alavancagem financeira como será aquele em que o mundo viverá daqui para a frente.

Em segundo lugar, o objectivo de atingir um novo compromisso, mais equilibrado e transparente, de direitos e deveres entre os cidadãos e o Estado. Isto é importante porque a sociedade foi progressivamente transferindo para a responsabilidade pública um grau crescente de garantias e de decisões. Nesse processo, os cidadãos colocaram-se numa posição de maior exigência sobre a latitude da intervenção pública e, inversamente, de menor responsabilização individual. O consumismo sem preocupação com o futuro ou o atrofiamento dos esquemas privados de solidariedade social são um reflexo desta alteração de valores que suportou o crescimento da esfera pública e a subalternização e a dependência da esfera privada.

A situação tem uma tradução conhecida: os gastos públicos pesam 48% do PIB e custam mais de 38% em contribuições e impostos. A dívida pública oficial é 64% do PIB, ou perto de 90% se entrarmos em linha de conta com o défice oculto do sector empresarial. A dívida externa já atinge um valor superior à riqueza anual produzida. Por via das medidas anti-crise, todos estes valores vão ser consideravelmente inflacionados no prazo de um ano, implicando uma previsão de défice do Estado para lá dos 5%, despesa pública acima dos 50%, dívida pública superior a 70% (quase 100% com o passivo oculto) e dívida externa sem precedentes. A projecção para 2010 é ainda mais assustadora.

Percebe-se que a crise global não ajuda, mas esta deterioração deve-se sobretudo ao perfil estrutural de excesso de dívida (despesa) pública passada e ao aumento da despesa (e correspondente dívida) no presente em consequência da acção avulsa do Governo. Seguindo este caminho, quando a crise global tiver passado, Portugal não só terá um desequilíbrio público maior, a exigir um financiamento com impostos ainda superior ao de hoje, como deixará a economia privada menos capitalizada e com mais dificuldades de retomar o crescimento. A chamada classe média terá atingido uma debilitação sem precedentes.

Antes da crise, o reequilíbrio do contrato social apontaria para uma redução da despesa pública para os 37-40% do PIB. Para isso, precisaríamos pelo menos de duas legislaturas a uma média de redução de 1-1,5% ao ano. Agora, com o caminho que os socialistas se preparam alegremente para seguir, demoraremos, com sorte, quase dez anos a regressar ao nível de há 10 anos! Ou seja, vinte anos perdidos para a convergência com a Europa e um retrocesso significativo no esforço de modernização da economia portuguesa. Tudo isto no pressuposto optimista e desejável de que Portugal se manterá dentro da esfera do euro, já que o actual comportamento público aumenta consideravelmente o risco de virmos a ficar excluídos ou, pelo menos, de não conseguirmos colocar a dívida necessária no mercado externo e, assim, de não acedermos ao financiamento necessário.

Precisamos de mudar rapidamente este Governo e a sua orientação. Salvaguardadas as medidas necessárias à estabilidade no sistema financeiro (que não obrigam à nacionalização do BPN nem ao aval para o BPP) e as destinadas à coesão social numa circunstância de crise severa, um novo governo deveria apontar para um objectivo de uma média de crescimento zero na restante despesa primária, obrigando a um novo ciclo de maior eficiência e racionalização nas políticas públicas e a um objectivo de estímulo fiscal à poupança em IRS e IRC.

O Estado poderia facilitar a tesouraria das empresas por duas vias: não desviando a liquidez necessária às PME para financiar projectos de grande dimensão como novas auto-estradas ou o TGV para Madrid (este, sendo estratégico, é também perfeitamente reescalonável), exceptuando-se a despesa de investimento em barragens que é complementar ao desenvolvimento do cluster eólico, e fixando temporariamente prazos superiores aos actualmente vigentes para devolução de contribuições e impostos, podendo, para defender o emprego, apontar mesmo para a baixa temporária da taxa social única, mas sem discriminação negativa como é absurdamente o caso do agravamento previsto para os contratos a termo.

Importa acabar com a ideia demagógica e perigosa de que o Estado pode salvar as empresas economicamente, porque não só não pode salvar todas como não terá nunca critério decente para justificar aquelas a que acode em detrimento das outras. Mas deveria apostar-se na ideia de que o Estado, em sede de concertação social, poderia incentivar empregadores e sindicatos a entenderem-se mais fácil e de forma mais descentralizada para acordar paralisações programadas na produção, reduções temporárias do período de trabalho e redução das respectivas remunerações, sempre preferíveis às falências, ao desemprego e aos salários em atraso.

Seria útil concentrar os estímulos públicos sobre a área exportadora e manter uma política de pequenos investimentos públicos inteligentes em áreas críticas como a educação, a justiça, os serviços e indústrias de base tecnológica e as tecnologias limpas. Tal como apostar em verdadeiras oportunidades de formação para os desempregados e na capacitação mais exigente das lideranças, tanto em termos privados como públicos.

Dir-se-á que não se ganha eleições com esta receita. Mas pergunta-se: de que serve ganhá-las se tivermos a convicção de que a receita tradicional para a suposta vitória nos conduz ao empobrecimento e ao subdesenvolvimento? Haja coragem para defender a mudança e ver-se-á que os eleitores não são assim tão míopes nem limitados. O País espera uma nova ambição que os agentes políticos não devem defraudar.

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