O enigma dos fluxos de capital
Em muitas das economias emergentes com problemas, contudo, a política monetária tem nos ombros o fardo de controlar a inflação, gerir o valor da moeda local e apoiar o crescimento. Esta atitude de equilíbrio é difícil de manter, tornando essas economias vulneráveis quando o ambiente externo é desfavorável.
Nos últimos meses, as economias emergentes têm vivido a experiência do "chicote" dos fluxos de capital. As indicações de que a Reserva Federal dos Estados Unidos deveria começar a retirar os estímulos à economia levaram os investidores a reduzir a sua exposição aos mercados emergentes, enfraquecendo acentuadamente as suas moedas e provocando quedas nos preços das suas acções. Agora que a retirada dos estímulos foi adiada, o capital está a regressar em alguns casos. Mas, com menos influência, muito menos controlo, sobre o que vem a seguir, as economias emergentes têm ainda dificuldade em avaliar como se proteger do impacto de uma inversão de política da Fed.
Quando a Fed sugeriu inicialmente a sua intenção de começar a retirar os estímulos, os responsáveis políticos em algumas economias emergentes protestaram, mas as suas queixas foram desvalorizadas pelos responsáveis das economias avançadas que os acusaram de serem queixosos crónicos. Afinal, eles tinham inicialmente rejeitado as mesmas políticas que agora lutam por preservar.
Contudo, as críticas dos responsáveis políticos não reflectem uma posição inconsistente; em ambos os casos, o ponto crucial das suas queixas tem sido a volatilidade. Já tentaram erguer defesas contra os efeitos potencialmente desestabilizadores da política monetária das economias avançadas ao acumular reservas cambiais e estabelecer controlos de capital. Agora, apelam aos seus bancos centrais para assegurar a estabilidade, por exemplo, mediante um aumento das taxas de curto prazo para a concessão de crédito.
Mas, esta abordagem não resolve a questão subjacente – e um diagnóstico equivocado do problema pode ter consequências de amplo alcance, não apenas levando a soluções ineficazes, mas também possivelmente causando duras distorções a determinadas economias e ao sistema financeiro mundial como um todo. De modo a desenhar remédios eficazes, é útil distinguir entre os três tipos de deficiências que impedem o funcionamento dos mercados financeiros.
Primeiro, há deficiências de mercado, que ocorrem quando, por exemplo, os investidores têm comportamentos de manada, quando existem assimetrias de informação ou quando a estrutura de incentivos para os gestores de investimento encorajam à tomada de risco excessivo. Segundo, há deficiências de política, que ocorrem quando políticas macroeconómicas indisciplinadas e políticas de regulação financeira inconsistentes ou ineficazes aumentam os riscos associados a fluxos de capital voláteis.
A terceira falência – e actualmente mais problemática – é a das instituições nacionais ou internacionais. A política monetária interna tornou-se a primeira e última linha de defesa contra os abrandamentos do crescimento e os pânicos financeiros, permitindo aos responsáveis políticos evitar a adopção de outras medidas importantes, mas de longe mais difíceis. Utilizar a política monetária para compensar as deficiências noutras áreas da política representa uma falha institucional: os responsáveis pela política monetária não se enganam necessariamente, mas são limitados pela configuração de outras políticas.
A inadequação do actual quadro de "governance" mundial agrava o problema. A triste realidade é que, com os mercados financeiros a tornarem-se cada vez mais interligados, as medidas de política monetária adoptadas por qualquer uma das principais economias têm repercussões internacionais. É necessário um mecanismo de "governance" eficaz ou uma instituição confiável para ajudar os mercados emergentes a lidar com estes efeitos.
A falta de uma "governance" económica mundial eficaz tem importantes implicações para os fluxos de capital. Os responsáveis políticos dos mercados emergentes acreditam que lhes falta o recurso a redes de segurança que amortecem o impacto dos fluxos voláteis. Os seus esforços para se "auto-segurarem", por exemplo, ao incrementar as suas reservas cambiais, perpetuam os desequilíbrios económicos mundiais.
Então, como podem os responsáveis políticos responder a estas deficiências? Tem havido algum progresso a nível internacional nas reformas de regulação pretendidas para ultrapassar as deficiências de mercado, embora estes esforços tenham sido limitados pela resistência estridente das instituições financeiras.
As soluções para as deficiências das políticas não são difíceis de discernir. Divisas flexíveis, marcos monetários transparentes e políticas orçamentais de longo prazo sólidas podem servir como amortecedores em relação à volatilidade dos fluxos de capital. Além disso, o funcionamento dos mercados financeiros das economias emergentes deve ser melhorado, com políticas a nível do desenvolvimento institucional e de uma melhor capacidade de regulação. Ainda que as políticas certas não possam eliminar o risco, podem aperfeiçoar o equilíbrio custo-benefício dos fluxos de capital.
Reparar as deficiências institucionais é o passo mais importante – e o mais difícil. Uma reforma bem-sucedida requer, primeiro e acima de tudo, encontrar o conjunto certo de políticas internas. Nas economias avançadas, em particular, é necessário um foco mais acentuado na redução da dívida de longo prazo, mais do que da austeridade orçamental a curto prazo, juntamente com reformas estruturais no trabalho, produtos, ou mercados financeiros, dependendo do país.
Em muitas das economias emergentes com problemas, contudo, a política monetária tem nos ombros o fardo de controlar a inflação, gerir o valor da moeda local e apoiar o crescimento. Esta atitude de equilíbrio é difícil de manter, tornando essas economias vulneráveis quando o ambiente externo é desfavorável.
Na Índia, por exemplo, aumentar a produtividade e o crescimento de longo prazo requer disciplina orçamental e um conjunto de reformas dos mercados financeiro e laboral. Mas, o banco central tem sido solicitado para fazer todo o trabalho "pesado". Noutros mercados emergentes também o principal desafio é assegurar que todas as políticas macroeconómicas e estruturais promovam objectivos comuns.
Ao mesmo tempo, a estrutura de "governance" das instituições multilaterais como o Fundo Monetário Internacional deve ser reformada, de modo a impulsionar a sua legitimidade nos mercados emergentes. De outro modo, essas instituições vão continuar a ser ineficientes no confronto de problemas colectivos relacionados com as repercussões da política macroeconómica e ao proporcionar um seguro contra as crises.
Os responsáveis políticos nos países avançados e emergentes também devem focar-se nas deficiências subjacentes que desestabilizam as suas economias e impedem o crescimento, mais do que em tentar tratar os sintomas, manipulando a política monetária ou os controlos de capital. A menos que sejam apoiados por fortes estruturas institucionais a todos os níveis, estas medidas deverão provar ser inúteis na gestão de fluxos de capital.
© Project Syndicate, 2013.
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Tradução: Raquel Godinho
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