Vídeo-árbitro vem aí mas não vai resolver tudo

Depois da estreia na final da Taça de Portugal, o vídeo-árbitro vai começar a ser utilizado de forma regular no campeonato português a partir de domingo. O objectivo é acabar com os erros grosseiros... mas o melhor é gerir as expectativas, aconselha o ex-árbitro Duarte Gomes.
Vídeo-árbitro vem aí mas não vai resolver tudo
Bruno Simões 04 de Agosto de 2017 às 12:00
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Penáltis

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Cartões vermelhos

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Identidades trocadas

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Depois de uma temporada futebolística em que as arbitragens estiveram no centro do debate em Portugal - em especial devido aos erros que beneficiaram o campeão Benfica, a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) decidiu não perder tempo e antecipou a implementação do sistema de vídeo-árbitro nos 306 jogos da temporada 2017/2018 da Primeira Liga de futebol. Trata-se de um sistema que ainda está em teste - vai agora cumprir-se o segundo de dois anos de experiências, até se decidir se a tecnologia será implementada - e que já foi utilizado, com resultados não totalmente satisfatórios, na Taça das Confederações.

Portugal é, neste particular, dos primeiros a nível mundial: apenas Austrália, Brasil, Alemanha, Holanda e Estados Unidos estão no restrito lote de países que fazem parte deste período experimental. Por cá, o sistema foi utilizado pela primeira vez em formato "live" - com intervenção do vídeo-árbitro no decorrer do jogo - na final da Taça de Portugal, em Maio último. A FPF adjudicou o sistema ao grupo espanhol Mediapro para os próximos cinco anos por 1,5 milhões de euros. Os lances serão revistos a partir das instalações na Cidade do Futebol, em Oeiras.

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Numa formação para jornalistas sobre esta nova tecnologia, igualmente em Maio, o ex-árbitro João Ferreira assumiu que o objectivo do vídeo-árbitro é apenas acabar com os erros grosseiros, mas não com todos os erros. "Os erros de interpretação não vão acabar", até porque "situações de dúvida não são erros claros". "Não poderemos pensar que vamos acabar com os erros", assinalou. Por isso, o vídeo-árbitro só poderá intervir no jogo quando houver golos, quando forem exibidos cartões vermelhos directos, quando houver penáltis ou se o árbitro se enganar em algum jogador.

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Em entrevista ao Record, publicada esta quinta-feira, o director técnico da International Football Association Board (IFAB), David Elleray, que é responsável pela implementação desta tecnologia, vai um pouco mais além e diz que "o maior desafio" será "definir o que é um erro claro". "Um erro claro é quando pelo menos 90% das pessoas concordam que foi um erro. Se a dúvida é de 50-50, de 60-40 ou 70-30, não é um erro claro." O que deixa um grande conjunto de lances "em zonas cinzentas" fora do âmbito do vídeo-árbitro.

Vamos a erros claros. Na Taça das Confederações, dois lances saltam à vista. No jogo entre Portugal e o Chile, já no final do prolongamento, José Fonte pisa o pé de Vargas dentro da grande área. É um lance em que não há dúvidas: tem de ser marcado pontapé de penálti. Outro, talvez ainda mais clamoroso: o chileno Gonzalo Jara dá uma cotovelada no alemão Werner. Depois de alertado pelo vídeo-árbitro, e de rever o lance no monitor junto ao relvado, o árbitro mostra um cartão amarelo ao chileno. Depois deste lance, o ex-jogador inglês Alan Shearer tweetou sobre o vídeo-árbitro: "Por outras palavras, é uma merda?"

Estes lances descredibilizam a tecnologia? O ex-árbitro Duarte Gomes acha que não. "Na Taça das Confederações tivemos nove lances em que interveio o vídeo-árbitro, seis bem decididos e três mal ajuizados, mas só olhamos para o que correu mal", começa por dizer. "Os erros que lá aconteceram são resultado de imaturidade face a esta tecnologia", e são erros "humanos, porque a tecnologia funcionou", garante.

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Na época passada, em Portugal, "tivemos exemplos de golos em fora-de-jogo e de agressões nas costas do árbitro que agora não se vão passar". Ainda assim, "o que se pede às pessoas é que tenham muita tolerância quanto às suas expectativas. Têm de perceber que o vídeo-árbitro não vai poder intervir em todos os lances." E dá como exemplo os dois lances do dérbi Benfica-Sporting do ano passado - aparentes mãos na bola de Pizzi e Nélson Semedo - como lances de dúvida, nos quais o vídeo-árbitro não deve intervir. "Há meses que se pede às pessoas que não esperem milagres" com este sistema, que precisa de "muito treino" e de uma utilização "a doer" para começar a funcionar sem problemas. Duarte Gomes está convencido de que este sistema vai "fazer decrescer muito o ruído" e reitera que o "erro grosseiro visível para todos vai deixar de existir". "Os de dúvida continuarão."

E agora, como se festejam os golos?

Recentemente, num jogo amigável de pré-época entre o Sporting e o Mónaco (ganho pelos leões), o jogador Rony Lopes, do conjunto monegasco, marcou um golo, que festejou, e que foi posteriormente anulado pelo juiz, por fora-de-jogo de um colega. No final, Daniel Podence, jogador do Sporting, comentou: "É um bocado estranho, acabamos por não poder festejar bem os golos porque não sabemos o que vai acontecer segundos depois."

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Esse risco existe, porque todos os golos são revistos pelo vídeo-árbitro. Fica em causa a essência do futebol? "Sim. O jogo vai perder alguma beleza. Mas os jogadores têm de encarar isso com naturalidade. Podem festejar na mesma e perceber que, se o golo for anulado, é porque foi mesmo falta. Esse talvez seja um dos contras do vídeo-árbitro", reconhece o ex-árbitro Cosme Machado, que hoje é assessor para a arbitragem do Sporting de Braga. Ainda assim, "o mais importante é que exista verdade desportiva".

Joaquim Evangelista, presidente do Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol, tem uma "posição de princípio a favor do vídeo-árbitro, que tem mais coisas a favor do que contra". O impacto na fluidez do jogo não deverá ser um problema. "O recurso ao vídeo-árbitro será pontual, a essência do jogo vai manter-se." David Elleray confirma-o ao Record: "Será uma decisão alterada a cada quatro ou cinco jogos."

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"O que é que é melhor, festejar um golo que não é legal ou ver a verdade desportiva ser respeitada?", questiona Evangelista. É que "quem perde devendo ter ganho sofre consequências, também de ordem económico-financeira".

A temporada desportiva nacional arranca este sábado com a final da Supertaça, já com participação do vídeo-árbitro. Pelo que já se viu do sistema, a polémica na arbitragem não deverá acabar. Resta perceber se vai perder volume.

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