2011 - Passos, o político que tinha muito a pedir e pouco a dar
Na Europa, perguntava-se se o euro ia acabar. No mundo árabe, se a Primavera teria força. Na América, chorou-se a morte de Steve Jobs. Em território nacional, a palavra colossal voltou ao quotidiano. E não esquecer, claro, Portugal pediu ajuda à troika.
Figura do ano
O chumbo do PEC IV, a demissão de José Sócrates e a situação insustentável da economia nacional formaram a passadeira vermelha. Foi através dela que Passos Coelho chegou ao altar com os portugueses. Sabia-se que não havia tempo para lua-de-mel. Nem tão pouco para o copo de água. "Tem tudo a pedir aos portugueses e muito pouco a oferecer-lhes", escrevia o Negócios sobre o primeiro-ministro em 2011. A aliança ficou apertada mas o CDS ajudou a dar alguma folga. Conseguiu-se uma coligação e daí saiu o XIX Governo português.
"Não será necessário em Portugal cortar mais salários nem despedir gente para poder cumprir o programa."
Passos Coelho, 30 de Abril de 2011
Ao jovem político que progrediu no PSD, depois de liderar a juventude daquele partido, foi confiada a missão de colocar a economia portuguesa numa trajectória sustentável. A reforma do País também fazia parte do dote deixado pela troika. Uma das obrigações do matrimónio era avançar com privatizações.
A venda da participação do Estado na EDP foi um dos momentos marcantes do ano, numa operação em que o primeiro-ministro se viu obrigado a lidar com o equilíbrio de poderes. Passos Coelho teve de decidir-se entre três potenciais interessadas: China, Alemanha e Brasil. Como é que se recusam propostas irrecusáveis, era uma das perguntas dos jornais no final de 2011. Ganhou a China. Mas o jogo diplomático continuou, fosse com avaliações da troika, fosse com mais privatizações, fosse no mundo europeu.
Para o campo interno, Passos reservou a ideia de que os portugueses precisavam de empobrecer para, no futuro, voltarem a ficar mais ricos. Começou por reter parte dos subsídios de Natal dos trabalhadores. O casamento começou a dar sinais de fraqueza.
A meta de Passos Coelho é, ao fim de dois anos de Governo, a de lutar para que não haja um divórcio com os portugueses. Neste período, o primeiro-ministro teve de se mover num limbo. Encontrar soluções para Portugal sem criar uma explosão social. Até 7 de Setembro de 2012, foi conseguindo-o. Mas, nessa data, anunciou a intenção de reduzir a taxa social única para as empresas, a par de um aumento da comparticipação dos trabalhadores para a Segurança Social. A contestação social, que já se tinha iniciado em Março com a Geração à Rasca, intensificou-se. Passos recuou. A contestação não. O líder do Executivo tem ouvido que as reformas na economia não estão a acontecer. Teve de mudar um ministro - Relvas. Tem de lidar com as falhas nas previsões de outro - Gaspar. E vêm aí as autárquicas.
Facto nacional
Portugal pede à troika para vir salvar o País
Teixeira dos Santos abriu a porta, José Sócrates não conseguiu fechá-la. O antigo ministro das Finanças deu ao Negócios a notícia que viria a marcar o ano. "Portugal vai pedir ajuda externa". O primeiro-ministro de então, depois de muitas semanas a lutar para que não acontecesse, teve mesmo de aceitar: Portugal solicitou intervenção externa a 6 de Abril.
O Banco Central Europeu, o Fundo Monetário Internacional e a Comissão Europeia aterraram em Lisboa, sob a designação de troika, para equilibrar as contas nacionais e reformar o Estado. Prometeram regressar, a cada três meses, para avaliar como o País se comportava.
Passos Coelho quer fechar a porta aberta há dois anos. Mas ainda tem pela frente vários escrutínios levadas a cabo pela troika. A oitava avaliação ao progresso de Portugal, no seio do programa de ajustamento, inicia-se em Julho. Começa pouco depois de o País ter recebido nota positiva na avaliação mais difícil e mais prolongada desde o pedido de ajuda - a sétima. O Governo vai dizendo que já está a preparar o período pós-troika. Pelo meio, ainda terá de assegurar o regresso integral aos mercados de financiamento.
Facto internacional
Um ano árabe com várias Primaveras
A primeira planta brotou na Tunísia. Um jovem imolou-se. O acto foi visto como uma forma de contestação contra a corrupção e o autoritarismo do regime. A imagem espalhou-se pelas redes sociais. Foi a raiz de um conjunto de revoltas. Hosni Mubarak acabou por se demitir da chefia de Estado do Egipto. As forças rebeldes tentaram tomar a Líbia e Kadhafi acabou por morrer.
Nem todas as revoltas foram fáceis, nem todas tiveram um final - feliz ou triste. Na Síria, por exemplo, a contestação ao regime de Bashar al-Assad mantém-se. Foi uma longa Primavera. Ainda é.
As primaveras árabes prolongaram-se por várias estações. A Síria continua a evidenciar-se, com a ONU a falar em mais de 93 mil mortos desde o início do conflito, em Março de 2011. Na Líbia, apesar da mudança de governo, os conflitos regressaram. Noutros países, há promessas de que os chefes de Estado não se vão recandidatar. Embora não seja considerada como um elemento da Primavera Árabe, a Turquia é um novo foco de tensão na região.
Imagem do ano
O Portugal à rasca saiu às ruas e coube todo numa imagem
Sábado. 12 de Março de 2011. A manifestação convocada pelas redes sociais ganhou uma força que poucos antecipavam. A manifestação da Geração à Rasca. Contra a precariedade, contra o desempregou, a injecção de dinheiro na banca, as reduções salariais ou os cortes nas pensões. "A rua é nossa". Naquele dia, foi. Juntaram-se pais, filhos, avós, estudantes, professores, trabalhadores, os Homens da Luta. Várias gerações, milhares de pessoas, cartazes diversos. Tudo pacífico. Sem o papel activo dos sindicatos, dos partidos, do poder. Foi a sociedade civil a actuar - mesmo que os sindicatos, os partidos e o poder lá estivessem representados.
O Governo de José Sócrates estava a enfrentar grandes dificuldades e, neste fim-de-semana, encontrava-se a apresentar, em Bruxelas, o PEC IV. Foi o documento que viria a ditar a sua queda. A acção de protesto, que em Lisboa encheu a Avenida da Liberdade, mas que teve lugar em todo o País, ocorreu quando a sociedade civil estava em destaque um pouco por todo o mundo, desde os Indignados, em Espanha, ao movimento Occupy, em Wall Street, não esquecendo a Primavera Árabe, no Médio Oriente.
A adesão ao protesto da Geração à Rasca foi surpreendente mas temia-se que pudesse ficar por ali. Assim foi. Apesar de alguns protestos da sociedade civil que se seguiram, nenhum alcançou a força - e o mediatismo - do 12 de Março. Os frutos foram limitados. As manifestações mais recentes estão ligadas a forças partidárias ou sindicais, nomeadamente no que diz respeito às greves que se têm repetido no último ano.
Negócio do ano
Depois do "tchau", Brasil volta a dizer Oi à PT
Foi este o negócio que possibilitou os trocadilhos com a palavra "Oi". Depois de sair da Vivo, alienando a participação à espanhola Telefónica, a Portugal Telecom entrou no capital do grupo brasileiro Oi. Aconteceu em 2011, embora o plano para essa operação já estivesse delineado em 2010. A entrada foi feita por 8,32 mil milhões de reais. Ao câmbio de então, foram 3,4 mil milhões de euros. Ao mesmo tempo que a PT ganhava força na Oi, a brasileira foi comprando acções da congénere nacional, que a levaram a uma posição de 7% em 2011. Essa participação viria a aumentar no futuro.
As modificações na PT não se ficaram por aqui. Na mesma altura em que a portuguesa entrava numa empresa onde o banco estatal brasileiro (BNDES) era accionista, o Estado português perdia acções com direitos especiais na PT ("golden shares"). As mesmas acções que, um ano antes, tinham impedido, numa primeira vaga, a oferta da Telefónica sobre a posição da PT na Vivo.
A aliança estratégica entre a Oi e a PT aprofundou-se ao longo destes anos. A portuguesa continua a ter em torno de 25% na Oi mas, entretanto, a brasileira já subiu para uma participação de 10% na PT. Em 2013, uniram-se como nunca. Zeinal Bava deixou de ser o presidente executivo da PT para ser o presidente executivo da Oi. O gestor mantém o pé na gestão da PT Portugal, o braço operacional da "holding", mas mudou-se para o Rio de Janeiro. A pergunta que logo se fez foi se a viagem de Bava seria positiva para a PT. "Um grande passo para a expansão da capacidade de conhecimento da PT? Ou o princípio de uma fusão que afastará o centro de decisão de Portugal, deixando uma mera filial?", questionava o Negócios. Os rumores de fusão, apesar de recorrentemente desmentidos, mantêm-se ainda vivos.
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