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Tem a Europa "munições" para socorrer Espanha e Itália?

O prémio de risco da dívida de Espanha e de Itália rompeu hoje a barreira dos 400 pontos. Analistas temem que se tenha ultrapassado o ponto de não-retorno: os dois "pesos pesados" terão também de pedir ajuda – é uma questão de tempo. Mas tem a Europa meios para os socorrer?

02 de Agosto de 2011 às 17:21

Os mercados continuam a não dar trégua ao euro e aos políticos europeus, não obstante as decisões tomadas há apenas duas semanas, no sentido de quase duplicar a ajuda à Grécia e de reforçar os mecanismos de estabilidade financeira no seio da Zona Euro, precisamente para travar os riscos de contágio da crise da dívida pública a mais países da união monetária.

Indiferentes às garantias renovadas dos líderes do euro de que não abandonarão pelo caminho nenhum dos seus, escassos dias depois os investidores exigiram a Espanha e Itália taxas de juro significativamente mais altas em operações de colocação de dívida de longo prazo. E desde então, a pressão não tem desacelerado.

No mercado secundário, onde se trocam de mãos os títulos de dívida já emitidos, as taxas de juro espanholas e italianas bateram hoje novos máximos, tendo no prazo a dez anos chegado mais perto dos 6,5%. Em ambos os casos também, o “spread” – ou prémio de risco - das obrigações espanholas e italianas face às alemãs superou os 400 pontos base. Os bancos espanhóis, e sobretudo, os italianos – donos de boa parte da dívida pública do país – estão a ressentir-se enormemente. A bolsa de Milão fechou ontem com o pior desempenho em 27 meses.

O mesmo filme...

Tradução: muitos analistas consideram que os dois países ultrapassaram o ponto de não-retorno, e que a Europa estará agora a começar a ver nas capitais de dois "pesos-pesados" do euro o mesmo filme que, neste último ano, passou por Atenas, Dublin e Lisboa.

As campainhas de alarme soaram de imediato em Madrid e Roma. José Luis Zapatero adiou as férias para acompanhar de perto os desenvolvimentos e, poucas horas depois, foi a vez de Sílvio Berlusconi convocar, para esta tarde mesmo, uma reunião de emergência do comité de estabilidade financeira, que reúne ministro das Finanças, banco central e demais reguladores da actividade financeira.

Se as taxas persistirem em alta, Espanha e Itália poderão não ter outra escolha senão também recorrer a ajuda, apelando ao cada vez mais reduzido conjunto de parceiros do euro que está em condições de a dar: Alemanha, França, Holanda, Áustria, Luxemburgo e Finlândia – o clube que ainda dispõe de “rating” máximo, “AAA”. Até porque passa a fazer pouco sentido – ainda que na estrita racionalidade económica – estes países continuarem a ir ao mercado quando nas últimas emissões já tiveram de prometer juros bem acima dos cerca de 3,5% que Portugal, Grécia e Irlanda passarão a pagar pelas próximas fatias dos empréstimos europeus.

Mais bocas, a mesma carteira

A última cimeira do euro flexibilizou o Fundo Europeu de Estabilização Financeira (FEEF), permitindo-lhe, por exemplo, ceder linhas de crédito, a título preventivo e a juros razoáveis, aos países que estejam a ser confrontados com preços exorbitantes nos mercados para se financiarem. Este pode ser um expediente que, numa primeira fase, Espanha e Itália podem deitar mão.

Mas a flexibilização do FEEF – que poderá também financiar a recapitalização de bancos e, em circunstâncias absolutamente excepcionais desenhadas para a Grécia, recomprar dívida no mercado secundário – permanece, de momento, no domínio das intenções.

As alterações acordadas em 21 de Julho terão de ser ainda aprovadas pelos parlamentos dos países do euro. Possivelmente, só no Outono o processo estará concluído (e no pressuposto de que não haverá percalços, designadamente em Helsínquia).

Depois há ainda o problema dos cifrões. O FEEF, que até agora só pode financiar programas de assistência em parceria com o FMI, está prestes a ganhar mais três “braços”, mas o dinheiro que pode mobilizar permaneceu inalterado: 440 mil milhões de euros.

Miguel Frasquilho, deputado do PSD e ex-secretário de Estado das Finanças, escreve hoje no Negócios um artigo em que põe o dedo precisamente nesta ferida: 440 mil milhões de euros é “suficiente para acudir a países como Grécia, Irlanda ou Portugal, que em conjunto representam menos de 6% do PIB da Zona Euro e cujas necessidades de financiamento conjuntas até 2014 se situam abaixo de 400 mil milhões”, mas não dá para pôr a mão debaixo de Espanha ou de Itália.

“Neste caso, o peso conjunto na Zona Euro sobe para 28% (11% + 17%, respectivamente) e as necessidades de financiamento públicas até 2014 rondam 530 mil milhões de euros (as de Espanha) e 860 mil milhões (as de Itália), ou seja, um total de quase 1,4 biliões de euros!”, adverte.

Chegou a hora dos "eurobonds"?

Os seus cálculos coincidem com os que têm sido divulgados por “think-tanks” europeus que há muito reclamam que a dotação do FEEF seja triplicada e que, paralelamente, defendem que se caminhe firmemente para um modelo de emissão conjunta, ainda que parcial, de dívida pública: as tão badaladas obrigações europeias.

Numa primeira etapa, o próprio FEEF poderá dar rapidamente esse passo, caso seja autorizado a comprar dívida no mercado primário, ou seja, concorrer com os privados no momento em que os Estados colocam novas obrigações no mercado.

Chegou a hora dos "eurobonds"?

A grande vantagem das obrigações europeias é que harmonizaria o preço pago pelos Estados do euro quando estes se financiam. No imediato, travariam o risco de mais crises de liquidez e, no longo prazo, criariam condições de financiamento mais equipáveis para países como Portugal ou Grécia que, de outro modo, se arriscam a ver o seu estatuto de periféricos cristalizar-se indefinidamente.

Só que esta harmonização, se significa uma redução do custo de financiamento para os periféricos, tenderá a traduzir-se, em contrapartida, em taxas de juro mais elevadas para países como a Alemanha. E é aqui que a “porca torce o rabo”.

Ansgar Belke, professor de economia na Universidade de Duisburg-Essen e director do departamento de análise do instituto DIW, calcula que esta transferência de custos signifique que, anualmente, a Alemanha tenha de pagar mais 15 mil milhões de euros para se financiar, por comparação com a situação actual, em que é – de longe – o país a quem os investidores exigem menos juros.

Citado pelo “Der Spiegel”, o economista chega à conclusão que, em dez anos, esta factura será bem mais pesada do que a resultante de planos de ajuda que tenham de eventualmente ser garantidos a mais países do euro.

Ansgar Belke, professor de economia na Universidade de Duisburg-Essen e director do departamento de análise do instituto DIW, calcula que esta transferência de custos signifique que, anualmente, a Alemanha tenha de pagar mais 15 mil milhões de euros para se financiar, por comparação com a situação actual, em que é – de longe – o país a quem os investidores exigem menos juros.

"União de transferências"? Jamais!

Estas hipóteses e cálculos são, no entanto, muito contestados pelos adeptos das obrigações europeias que alegam que a criação deste novo produto financeiro, num mercado menos fragmentado e com os Estados Unidos também mergulhados numa severa crise, faria do euro uma verdadeira moeda de reserva – designadamente para os países asiáticos e do Médio Oriente, que estão a ser forçados a reduzir a sua exposição ao dólar.

No cenário ideal, obrigações europeias trariam mais investidores à Zona Euro e, logo, taxas de juro mais baixas. Até mesmo para a Alemanha.

Dificilmente, porém, uma proposta desta natureza passaria por Berlim sem ser catalogada como um passo de gigante para o "abismo" – léxico que, além Reno, significa por estes dias "União de transferências", ou seja, suportar dívidas de quem não soube viver à medida das suas possibilidades. Com eleições gerais marcadas para 2013, será que Angela Merkel dará uma oportunidade às "eurobonds"?

No cenário ideal, obrigações europeias trariam mais investidores à Zona Euro e, logo, taxas de juro mais baixas. Até mesmo para a Alemanha.

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