Reações à simplificação dos despedimentos: entre o “retrocesso do país” e a “aposta na precariedade”
A proposta do Governo para permitir que micro, pequenas e médias empresas dispensem a apresentação de provas e a audição de testemunhas indicadas pelo trabalhador nos despedimentos por justa causa, notícia avançada pelo Negócios, está a gerar fortes reações de sindicatos, juristas e representantes empresariais.
O secretário-geral da União Geral dos Trabalhadores (UGT), Mário Mourão, afirmou esta manhã à Antena 1 que o sindicato sublinha “um rotundo não” ao anteprojeto. Para Mourão, “em vez de resolvermos o problema que temos, de precariedade, dos baixos salários, do crescimento da economia, andamos a ver como é que havemos de despedir mais facilmente aqueles que estão a produzir nas empresas”. O dirigente sindical considera que a medida é “um retrocesso do país” e alerta que, ao invés de reter talento, “estamos a procurar como se mandam [as pessoas] para fora das empresas para elas depois irem para fora do país”.
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Já em declarações à TSF, o líder da UGT acusou o Governo de querer “simplificar e precarizar completamente o trabalho”. Na sua perspetiva, esta “precarização” força “muitos jovens qualificados” a emigrar para encontrar “trabalho digno e salários justos”. Mourão sublinhou ainda que “o Governo tem tantas coisas para resolver neste país e esta medida não vai resolver nenhum destes problemas”.
Do lado jurídico, Eduardo Castro Marques, especialista em Direito do Trabalho, disse à Antena 1 que a proposta “vem ao arrepio daquilo que tem sido o caminho feito do procedimento disciplinar”, que nas últimas décadas evoluiu para ser “muito mais garantístico por parte do trabalhador”. Se a lei avançar, alerta: “o trabalhador terá menos instrumentos, menos ferramentas para, em sede disciplinar, apresentar a sua versão dos factos e provar a sua versão dos factos”.
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Castro Marques também apontou riscos de inconstitucionalidade e defendeu que é preciso “ter muito cuidado na construção jurídica do texto” para salvaguardar garantias “absolutamente inegociáveis” como “a acusação, a defesa e ter uma decisão comunicada”. Apesar disso, admitiu que, se esses princípios forem preservados, “não vejo alguma razão para que não passe no Constitucional”.
Já o presidente da Confederação Portuguesa das Micro, Pequenas e Médias Empresas (CPPME), Jorge Pisco, classificou a proposta como uma repetição de erros passados. “O Governo parece andar à caça ao baú com o anunciar de medidas requentadas. As medidas apontadas foram anticonstitucionais no tempo da troika e o atual Governo volta novamente ao erro”, disse. Em declarações à TSF, Pisco acrescentou: “Erro sobre erro só pode ser ridículo e insensato. Quando na realidade o que está em causa é a falta de políticas para a promoção do emprego, a aposta do atual Governo é na precariedade, é insensata esta solução.”
O anteprojeto do Governo altera o Código do Trabalho para permitir que micro, pequenas e médias empresas, que representam cerca de 99% do tecido empresarial, possam despedir por justa causa sem a obrigação de realizar as diligências probatórias pedidas pelo trabalhador, incluindo a audição das suas testemunhas. A medida, que exclui as grandes empresas, retira uma fase central do processo disciplinar e retoma uma solução semelhante à que o Tribunal Constitucional declarou inconstitucional em 2010, por violar o direito de defesa. O Executivo argumenta que a simplificação reduz encargos e complexidade processual, mas críticos alertam para o risco de enfraquecer garantias fundamentais dos trabalhadores.
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