Turbilhão de obstáculos afecta OPA chinesa sobre EDP e grupo cede em bolsa
A Bloomberg escreve um artigo a noticiar o atraso na OPA da China Three Gorges sobre a EDP. Guerra comercial, mudanças na compradora, quebra de lucros na empresa portuguesa e alterações accionistas fazem parte das novidades. As acções recuam.
Desde a intensificação da guerra comercial às alterações na cúpula na China, passando por problemas judiciais em Portugal, a onda de novidades está a afectar – e a atrasar – as ofertas públicas de aquisição lançadas pela China Three Gorges sobre a EDP e a EDP Renováveis.
A agência Bloomberg avança, com base em fontes não identificadas, esta sexta-feira, 2 de Novembro, com a indicação de que uma série de obstáculos inesperados está a atrasar a oferta. A expectativa de que houvesse autorizações regulatórias este ano já não existe. O calendário trabalhado aponta para o início do próximo ano.
A ideia, sabe o Negócios, é que possa haver novidades neste campo no primeiro trimestre do ano. O que ainda dá margem de cinco meses à espera de respostas. "Os actuais calendários para tais aprovações estão em linha com outras operações comparáveis desta magnitude e complexidade", diz a citação da China Three Gorges à agência Bloomberg, para a qual a assessoria em Portugal remete.
Oficialmente, a China Three Gorges, dona de 23,27% da EDP, não admite qualquer arrefecimento na operação. Diz apenas que continua a seguir a entrega de todos os procedimentos regulatórios, continua a trabalhar com todo o conjunto de assessores nas discussões com os reguladores nas diferentes jurisdições e no cumprimento de todas as anteriores condições para o lançamento das ofertas.
A transacção, anunciada em Maio deste ano, tem de ser avaliada em oito países e 18 entidades. No Brasil, a Concorrência, através da CADE, já se pronunciou favoravelmente à transacção, mas ainda falta a posição da agência eléctrica (ANEEL). E faltam muitos outros países.
Um problema chamado EUA
Um problema já a China Three Gorges sabe que tem há muito. Chama-se Estados Unidos da América, onde está situada praticamente metade da capacidade instalada da EDP Renováveis. A própria administração da companhia de energias verdes, liderada por António Mexia e João Manso Neto, assumiu logo o risco de virem a ser impostos obstáculos à operação nos EUA, onde a transacção tem de ser analisada pela comissão reguladora de energia dos EUA (FERC) e pelo comité de avaliação de investimentos estrangeiros (CFIUS), presidido pelo secretário do Tesouro.
O embaixador dos EUA em Portugal, George E. Glass (na fotografia, em reunião com o líder do PSD, Rui Rio), já defendeu que a actividade das renováveis da EDP nos EUA não vai estar na eventual operação de compra da China Three Gorges à EDP.
O grupo chinês, adianta a Bloomberg, negoceia eventuais desinvestimentos para poder obter a aprovação regulatória nos EUA.
E isto quando a incerteza de uma guerra comercial continua em cima da mesa. Esta semana, já houve notícias a assinalar que o presidente norte-americano quer avançar com tarifas sobre todos os bens chineses, caso as negociações falhem. Mas esta sexta-feira está a ser noticiado que há sinais de que a guerra comercial pode aliviar: Donald Trump pediu um esboço de acordo comercial com a China. De qualquer forma, os negócios não são amigos de incertezas.
Brasil e EUA também contam
E na própria União Europeia já há bloqueios a aquisições chinesas: a Alemanha investiu na maior rede de energia do país para afastar os interessados chineses, da State Grid, justificando-o com a "segurança nacional". Estes investidores são os maiores accionistas da gestora da rede eléctrica nacional, a REN, com 25%. O poder do Estado chinês na rede eléctrica REN e na operadora eléctrica EDP tem sido questionado desde a época das privatizações.
Outro mercado em mudança é o Brasil, que ganhou um novo presidente: Jair Bolsonaro, da extrema-direita. Este é um mercado onde a EDP espera crescer, tendo em conta os activos de que a China Three Gorges também aí dispõe e que poderá receber após a operação. O que, aliás, a administração acredita que poderá mudar o perfil da empresa nacional, se vier a acontecer.
Havendo mudança de perfil e tendo em conta os desinvestimentos em activos, o seu antigo presidente do conselho geral e de supervisão, agora membro desse mesmo órgão, Eduardo Catroga, assumiu, em entrevista ao Expresso em Outubro, uma vontade: que a EDP continuasse a ser uma "empresa de base portuguesa, que paga impostos em Portugal". Objectivo: "que a EDP não fosse o caso de outras grandes empresas, como a Cimpor, como a PT, que ficou transformada em PTzinha e confinada às operações domésticas".
Espera tem impacto no preço da OPA
Mas as novidades não são para breve e isso pode ter implicações no preço da oferta, já criticado pelos gestores do grupo EDP. O grupo chinês oferece 3,26 euros, e a administração da EDP considerou que não vendia os títulos que detinha por ser um preço baixo.
Além disso, a contrapartida proposta não se precavia face ao tempo que poderia demorar até se concretizar a OPA. "O prazo para obter tais autorizações, acrescido da natural incerteza, poderá ser significativo e poderá afectar o valor realizado", dizia a equipa da EDP, quando teve de pronunciar-se sobre as ofertas da China Three Gorges. Ou seja, assumia-se já o risco de as autorizações só chegarem em 2019, e depois do pagamento de um eventual dividendo relativo a 2018.
À EDP Renováveis, cujo maior accionista é a EDP, a China Three Gorges propõe um dividendo de 7,33 euros, o mínimo que poderia despender, preço também rejeitado pela administração.
OPA com EDP com menos lucrosA EDP está, também, ligeiramente diferente, depois de uma decisão do Governo, pela pena do anterior secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, que quantifica em 358 milhões de euros o valor que poderá ser exigido à EDP por alegada sobrecompensação paga por regimes negociados com o Estado.
Os accionistas da eléctrica avançaram contra o Estado na justiça, mas a eléctrica teve de avançar para uma revisão em baixa do lucro esperado: deixa de antever um lucro de 800 milhões, para um resultado líquido consolidado entre 500 e 600 milhões de euros, embora salvaguardando a ausência de impacto nos dividendos.
Seguro Sanches saiu
Embora recusando chamar-lhe um braço-de-ferro, o secretário de Estado da Energia, Jorge Seguros Sanches, assumiu a vontade de reduzir os custos do sector eléctrico imputados aos consumidores em detrimento de um aumento de custos para os operadores. A relação com a EDP nunca foi fácil e acabou com o aviso de que poderia perder valores recebidos por alegada sobrecompensação. Os accionistas avançaram para a justiça. Entretanto, no Governo, houve uma remodelação que afectou o secretário de Estado. Seguro Sanches foi substituído por João Galamba, secretário de Estado que ficou no Ministério do Ambiente, tutelado por José Pedro Matos Fernandes.
CTG muda "chairman" e presidente chinês visita Portugal
Mas também na oferente há diferenças. O "chairman", Lu Chun, foi afastado, bem como o administrador financeiro, Ya Yang. As saídas não foram justificadas, e a Bloomberg refere que acabaram por atrasar as conversas do grupo com os reguladores, o Governo e a EDP. O novo presidente da administração do grupo é Lei Mingshan.
Novas respostas podem, contudo, chegar em Dezembro. O ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, esteve na China em Outubro e, aí, informou que o líder chinês, Xi Jinping, estará em Portugal a 4 e 5 de Dezembro, anunciando também que o Presidente da República iria "retribuir brevemente" com uma deslocação àquele país.
O Governo português também tem de se pronunciar sobre a operação, embora o primeiro-ministro, António Costa, já tenha dito publicamente que não vê problemas no investimento.
A saída dos americanos, a entrada do "abutre"
Sem novidades em torno da concretização das OPA, houve alterações accionistas no capital da EDP. O segundo maior accionista da eléctrica, o fundo americano Capital Group, abandonou o capital da empresa em Outubro, depois de ter vindo a descer a participação, sendo que chegou a deter mais de 15% da instituição. E as participações americanas foram vistas, aquando do lançamento das OPA, como um contrapeso à investida chinesa. Além da China Three Gorges, com 23,27% do capital da EDP, a também chinesa CNIC controla 4,98% do capital.
Saiu o Capital Group, e, ainda que com um peso bastante inferior, o capital da eléctrica passou a contar com o chamado "fundo abutre da Argentina", chamado fundo Elliot, liderado por Paul Singer (na foto), com uma participação de 2,2295%.
"Os accionistas são sempre livres de entrar e de sair. É por isso que as empresas cotadas têm essa característica", foi o comentário deixado por António Mexia sobre as modificações accionistas.
Estrutura accionista da EDP
Os accionistas com participações qualificadas controlam 55% do capital da EDP. Destes, 28% estão nas mãos do Estado chinês, através da China Three Gorges e da CNIC.
China Three Gorges: 23,27%
CNIC Co., Ltd: 4,98%
Oppidum Capital, S.L.: 7,19%
BlackRock, Inc.: 5,00%
Mubadala Investment Company: 4,06%
Grupo BCP + Fundo de Pensões do Grupo BCP: 2,43%
Sonatrach: 2,38%
Paul Elliot Singer: 2,2925%
Qatar Investment Authority: 2,27%
Norges Bank: 2,14%
Os efeitos da notícia na bolsa
E, em bolsa, esta sexta-feira, está a haver trocas accionistas intensas. Com pressão negativa.
A EDP está a cair 1,83% para valer 3,059 euros, estando próxima de tocar nos valores mais baixos desde o lançamento da oferta pública de aquisição, em Maio, que tem vindo a experienciar nos últimos dias.
Já a Renováveis recua 1,45% para 7,835 euros, também a negociar em torno das cotações mais baixas desde Maio.
As cotadas estão a ser responsáveis por o índice de referência da bolsa portuguesa estar a transaccionar em queda na manhã de sexta-feira.
Mais lidas