Cipan: a empresa que gerou tensão entre americanos e espanhóis vai sair de bolsa

Esta segunda-feira, quando o comboio urbano passar pelas 11:15 pela estação do Carregado em direcção a Santa Apolónia, em Lisboa, no número 42 da Rua da Estação terá começado, uns 15 minutos antes, uma assembleia-geral extraordinária da Cipan. "Deliberar sobre a perda da qualidade de sociedade aberta" é o ponto único em agenda.
Diogo Cavaleiro 03 de Março de 2018 às 10:00

Primeiro, vieram os americanos. Depois, vieram os espanhóis. Os americanos falharam a conquista. A vitória foi espanhola. Mas os americanos não desistiram. Até às tréguas chegarem. O domínio espanhol ganhou.

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Esta é a história recente da Cipan – Companhia Industrial de Antibióticos. A empresa, que produz ingredientes activos farmacêuticos, começou 2016 nas mãos da portuguesa Atral-Cipan, mas com uma parte do capital nas mãos de outros pequenos investidores. Terminou 2017 nas mãos da Lusosuan, detida pela espanhola Suan Farma, com uma parte do capital nas mãos de outros pequenos investidores. O início de 2018 passa pela retirada desse capital disperso e pela consolidação do poder espanhol.

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O comboio arranca

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Esta segunda-feira, 5 de Março, quando o comboio urbano passar pelas 11:15 pela estação do Carregado emm direcção a Santa Apolónia, em Lisboa, no número 42 da Rua da Estação já terá começado, uns 15 minutos antes, uma assembleia-geral extraordinária da Cipan. "Deliberar sobre a perda da qualidade de sociedade aberta" é o ponto único em agenda.

 

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Não é uma novidade na bolsa nacional. A Cipan prepara-se para seguir o caminho já percorrido pela Cimpor e pelo Montepio, e que também a Sumol+Compal começou a fazer. Não estar dependente do mercado e deixar de ter o capital aberto, sujeito a ofertas de aquisição hostis, são objectivos. Para isso, a accionista espanhola teve de negociar com os antigos rivais americanos.

Neste momento, a espanhola Suan Farma detém 91,78% do capital da Cipan. A liquidez das acções, cotadas no mercado multilateral Euronext Access Lisbon, é reduzida. Esta sexta-feira, foram trocadas 38 acções, suficientes para uma subida de 9,9% para os 22,2 cêntimos. Esta é uma das justificações da Lusosuan, sociedade portuguesa detida pelo grupo espanhol que controla a Cipan, para a retirada de mercado.

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Não é a única. "Existe uma elevada concentração do capital social da Cipan na sua accionista maioritária subscritora da presente proposta e uma consequente dispersão das suas acções pelo público em geral, com apenas 8,22% de ‘free float’ [capital distribuído por outros accionistas]", continua a Lusosuan.

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Americanos ajudam a controlo espanhol

Para esta concentração contou a ajuda dos americanos. A 26 de Dezembro do ano passado, a Lusosuan chegou a acordo com a americana Chartwell Pharmaceuticals, que trouxe obstáculos à sua operação de compra em 2016. Nesse entendimento, acordou a compra dos 4,76% do capital nas suas mãos por 28,14 cêntimos. Foi o que permitiu ficar com 92% do capital.

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Foi em pleno Agosto de 2016 que a Cipan foi alvo de uma oferta pública de aquisição parcial e voluntária da Chartwell Pharmaceuticals, com sede em Nova Iorque. Parcial porque o comprador só queria 8,18% do capital da empresa, a juntar aos cerca de 2% que já tinha vindo a adquirir em mercado. Voluntária porque não tinha qualquer obrigação de a lançar.

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Para conseguir chegar a 10% do capital da Cipan (condição essencial para o sucesso da oferta), o grupo americano cuja propriedade é imputada a Jack Goldenberg oferecia 45 cêntimos por cada uma das acções.

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Esta oferta foi contestada pela administração da empresa, liderada por Teresa Alves, filha do fundador Sebastião Alves, criticando a postura do grupo que, no passado, já tinha negociado com a Atral-Cipan para ficar com a produtora de antibióticos. Conversações que não chegaram a bom porto. Além disso, havia um litígio judicial entre a portuguesa e a Chartwell, por um fornecimento que não tinha sido, alegadamente, pago pela Chartwell.

 

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Não houve acordo para que os americanos comprassem a posição da Atral-Cipan na Cipan, mas houve entendimento com a Suan Farma. A sociedade espanhola, nascida em 1993, que produz e comercializa matérias-primas farmacêuticas, adquiriu os 85% do capital por 14 cêntimos por acção. Como superou as fasquias definidas pela legislação, a empresa teve de lançar uma oferta pública de aquisição obrigatória sobre a Cipan.

 

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14 cêntimos: preço da compra da posição de 85% que a Atral-Cipan tinha na Cipan pela Lusosuan, da Suan Farma, em 2016

14 cêntimos: primeiro preço oferecido pela Lusosuan, da Suan Farma, pelas restantes acções da Cipan, em 2016

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16 cêntimos: preço que a Lusosuan, da Suan Farma, teve de pagar pelas acções da Cipan na oferta pública de aquisição em 2017

22,2 cêntimos: preço de fecho das acções da Cipan na sexta-feira, 2 de Março de 2018

28,14 cêntimos: preço pelo qual a Chartwell aceitou vender a sua posição de 4,76% da Cipan à Lusosuan, da Suan Farma em Dezembro de 2017

28,14 cêntimos: preço que a Lusosuan, da Suan Farma, está disponível para pagar aos accionistas que não forem a favor da perda da qualidade de sociedade aberta da Cipan

22,2 cêntimos: preço de fecho das acções da Cipan na sexta-feira, 2 de Março de 2018

28,14 cêntimos: preço pelo qual a Chartwell aceitou vender a sua posição de 4,76% da Cipan à Lusosuan, da Suan Farma em Dezembro de 2017

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As duas OPA

Ficaram, assim, duas OPA em cima da mesa: uma obrigatória, dos espanhóis, que tinha como objectivo ter 100% do capital da Cipan, e uma voluntária, dos americanos, para chegar aos 10%. E com preços completamente diferentes: 45 cêntimos face aos 14 cêntimos. Ao Negócios, na altura, o grupo Suan Farma considerou que o preço pago pela Chartwell era "especulativo".

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Só em Junho de 2017 as duas OPA seguiram em frente. Só que a espanhola teve de aumentar a contrapartida para 16 cêntimos, preço que foi definido por um auditor independente que a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) considerou que deveria ser ouvido.

Os americanos falharam a OPA. Não conseguiram atingir o objectivo que era juntar 8% aos 2% que já detinham, apesar do elevado preço oferecido. Ficaram nas suas mãos 4,76% da empresa. Já os espanhóis ficaram com exactamente 87% da Cipan, tendo também tido pouco sucesso nas aquisições de acções de outros investidores.

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A saída de bolsa ou a decisão nas mãos da CMVM

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No segundo semestre de 2017, contudo, a Suan Farma conseguiu negociar com a Chartwell para lhe comprar a sua posição. A aquisição foi a 28,14 cêntimos. Abaixo dos 45 cêntimos que os americanos admitiam pagar pelas acções da Cipan uns meses antes, mas acima dos 16 cêntimos que os espanhóis tinham desembolsado por cada acção da empresa de Castanheira do Ribatejo.

 

São esses 28,14 cêntimos que serão pagos pela Lusosuan, da Suan Farma, aos accionistas que não votarem esta segunda-feira a favor da perda de qualidade de sociedade aberta da Cipan, que continua a ter Teresa Alves como a administradora delegada. Têm três meses para fazê-lo, a partir do momento em que o regulador do mercado liderado por Gabriela Figueiredo Dias (na foto) considerar que há condições para essa perda.

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A Lusosuan fecha, porém, a porta a um aumento desse preço oferecido, tal como tinha feito a Sumol+Compal. Se a CMVM designar um auditor independente para determinar o valor que deve ser pago – e se ele for superior aos 28,14 cêntimos –, a deliberação perde efeito. Mas isso ainda não se saberá quando o comboio urbano passar pelas 11:15 pela estação do Carregado na segunda-feira.

 

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