Greves de fome
O sentimento de revolta, quando é justo, não se combate com exclusão ou indiferença. A resposta terá de ser a proximidade e a concreta atenuação dos problemas. Que este caso tenha servido de exemplo e possa constituir ensinamento para os muitos que, infelizmente, ainda estão para acontecer.
Já percebemos que os governos em geral não gostam de greves. O nosso, em particular, também não gosta. Especialmente das inorgânicas. As que são espontâneas, que não têm quem mande nos seus agentes. Já as outras, as que as centrais sindicais controlam, não são tão temidas. Perante situações inesperadas o poder não sabe como responder. Como aconteceu com o movimento “A Pão e Água”. Foi preciso decorrer quase uma semana com a comunicação social a acompanhar, hora a hora, a onda de solidariedade e de apoio que se criou, os partidos políticos todos (menos o PS) a deslocarem-se ao local manifestando compreensão e vontade de ajudar, para que um ministro se dignasse ouvir de viva voz os dramas vividos por toda uma classe e as suas propostas concretas. E parece que quem meteu bom senso na cabeça dos governantes foi o presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina, que com a sua intervenção evitou algo que poderia vir a ter consequências bem mais pesadas. E mesmo assim o tal ministro só arranjou disponibilidade na agenda para daqui a mais alguns dias.
Claro que é mais confortável conversar com as associações empresariais. Não duvido de que a via institucional seja a mais adequada e a resolução de problemas como os que foram criados pela pandemia não se resolvem com decisões precipitadas ditadas apenas pela emoção. Mas a verdade é que, tal como acontece com os partidos políticos, também o movimento associativo anda muitas vezes distante daqueles que diz representar. Especialmente num setor, como o da restauração e atividades com ela relacionadas, que cresceu muito rapidamente nos últimos anos, atrás de projetos de gente jovem e empreendedora a quem a associação que os devia representar pouco ou nada diz. Muitos nem sabem da sua existência.
Ao Governo deveria importar, mais do que a simbologia do acampamento ou de quem é individualmente cada grevista, o problema que está na base de tudo isto. A incapacidade de honrar compromissos e ver encerrada uma atividade que muito tem ajudado a fazer crescer a riqueza nacional e que um motivo absolutamente inesperado pode condenar à morte. E essa morte ditará em muitos casos o desemprego, a dificuldade de alimentar famílias, a impossibilidade de pagar compromissos a fornecedores, a bancos e até ao Estado. Se tudo isto não causa desespero em pessoas de bem, então o que é que causará?
Vamos ter um ano de 2021 carregado de problemas e não haverá certamente solução milagrosa que a todos acuda. Certamente assistiremos a atitudes desesperadas de gente que perdeu tudo ou que passa por grandes dificuldades. Será um tempo de conflitos, de incompreensões e de grandes injustiças. Importa por isso que os canais de comunicação, formais e informais, nunca se fechem e, pelo contrário, sejam até estimulados. Mas que o diálogo não seja sinónimo de adiamento ou de desresponsabilização. Deverá ser um sinal de presença, de apoio, de conforto e de segurança. Cabe ao Estado assegurar as condições para não deixar cair quem muito trabalhou e agora nada tem. Mas provavelmente não será, como agora se pode constatar, a pesada máquina burocrática de um qualquer ministério o melhor instrumento para acudir a quem mais precisa. Talvez seja mais eficaz e seguramente muito mais rápido transferir para as autarquias a responsabilidade e os meios para este auxílio de emergência.
O sentimento de revolta, quando é justo, não se combate com exclusão ou indiferença. A resposta terá de ser a proximidade e a concreta atenuação dos problemas. Que este caso tenha servido de exemplo e possa constituir ensinamento para os muitos que, infelizmente, ainda estão para acontecer.
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