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A cultura dos padrinhos 

O mito dos superbanqueiros portugueses, esses seres infalíveis, com melhor reputação do que os políticos, com direito a salários milionários e pensões douradas, esfumou-se com uma grande conta a saldar pelos contribuintes e pelos acionistas.

Já que temos de pagar convém saber o que correu mal para evitar que os mesmos erros se repitam.

Manuel Sebastião, ex-presidente da Autoridade da Concorrência,  divulgou  numa conferência em Lisboa , umas contas simples que ilustram a gravidade da situação. Os buracos do BPN, BPP, BES e Banif terão custado 17, 1 mil milhões de euros, o que se traduz num igual agravamento da dívida pública (9,5% do PIB). Mais: todo o esforço de contenção orçamental imposto pela troika foi dois mil milhões de euros inferior à conta destes desastres bancários.

E nas contas de Manuel Sebastião ainda não estão incluídas outros desastres que vão custar muito em 2016 e 2017. Da chuva de milhões que vão ser injetados na Caixa Geral de Depósitos até à conclusão do processo de venda de Novo Banco e uma reavaliação mais detalhada do impacto financeiro do descalabro do antigo império Espírito Santo há muitos riscos de este trágico balanço ficar muito perto de 25 mil milhões de euros.

Há casos de polícia óbvios no BPN, que em 2008 era apontado  como se fosse a história única  de um pária num sistema de senhores acima de toda a suspeita. No BES também há muitas operações sob o crivo da justiça, e na Caixa Geral de Depósitos o empréstimo ao Vale do Lobo está sob investigação no âmbito da operação Marquês, que tem José Sócrates como principal arguido, havendo indícios que apontam para luvas, envolvendo o antigo administrador Armando Vara.

Mas os casos de polícia não explicam sequer a maioria desta erosão monumental de dinheiro. A conjuntura tornou-se particularmente desfavorável no negócio bancário com o crescimento do crédito malparado e do esmagamento de margens, derivado da redução dos juros.

Há razões que ultrapassam os simples erros e o azar nos negócios. Manuel Sebastião, na citada conferência, fez uma glosa a um poema camoniano "Erros meus, má Fortuna, Liderança ausente, em minha perdição se conjugaram, os erros e a Fortuna sobejaram, que para mim bastava Liderança somente".

Faltou a sorte e falhou a liderança, mas há também um caldo de cultura neste país que aumentou a desgraça. Mesmo a banca privada vivia à sombra do Estado, das decisões dos favores, das rendas.

Nas concessões de crédito, nas decisões de investimento, a influência política e social, os conhecimentos, as cunhas e os favores tiveram um peso muito superiores  aos méritos. Mesmo que a maioria das decisões ruinosas tenha sido tomada de boa-fé, este enquadramento sociológico mediterrânico, herdeiro do patrocínio romano, é o pano de fundo propício para desgraça que pagamos. O efeito sistémico que o colapso do império Espírito Santo teve na economia portuguesa demonstra, de forma evidente, o efeito perverso destas ligações perigosas. Nos créditos ruinosos da Caixa Geral de Depósitos  revela-se o mesmo sintoma.

Esta cultura de cunhas e de padrinhos sai-nos muito cara e empobrece-nos. 

Director-adjunto do Correio da Manhã

Este artigo está em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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