Os juros, o Estado e a sociedade
Já muitos notaram que os juros desempenharam um papel central na redução de deficit público. No Programa de Estabilidade 2018-2022 tal facto é reconhecido, notando-se aí que no fim do período aquela folga tenderá a desaparecer.
Entre 2014 e 2017, o peso dos juros da dívida pública no PIB passa de 4,9% em 2014 para 3,9% em 2017.
De acordo com o Programa de Estabilidade 2018-2022, a despesa primária passa de 40,4% do PIB em 2018 para 38,3% em 2022, uma quebra de 2,1 p.p. A despesa com juros passa de 3,5% em 2018 para 3,1% em 2022, uma quebra de 0,4 p.p. O contributo relativo dos juros é duplo da despesa primária.
O que ainda falta reconhecer é o papel altamente negativo que a quebra dos juros tem tido sobre o crescimento da economia portuguesa. Aquele efeito negativo ultrapassa em muito os benefícios passageiros que a quebra da taxa de juros tem tido sobre as contas públicas.
Entre 2014 e 2017, em consequência da política laxista do BCE, a queda dos juros foi brutal. O aplauso foi tão amplo quanto irresponsável.
A taxa de juro real de curto prazo passa de -0,5% em 2014 para -1,7% em 2017. A taxa de juro real de longo prazo cai de 3,0% em 2014 para 1,7% em 2017. A taxa de juro nominal implícita no total do crédito à habitação caiu cerca de 50% entre 2014 e 2017, de 1,5% para 1,0%.
Esta política agressiva de juros baixos visou exclusivamente beneficiar as contas públicas, cujo saldo foi efectivamente reduzido. Mas a economia real ficou presa a uma evolução rastejante e sujeita a fortes distorções. O capital produtivo - base última do crescimento - continuou na senda de decrescimento absoluto iniciada em 2011 enquanto os estímulos dos juros baixos alimentaram principalmente as aplicações especulativas e o mercado imobiliário.
Em 2017, o valor do "stock" líquido de capital estava ao nível de 2011 e o valor do "stock" de capital por trabalhador situou-se ao nível de 2009.
Entre 2014 e 2017, em euros de 2010, o "stock" de capital cai 1,3% e o "stock" de capital por trabalhador desce 6,9%. A percentagem do stock de capital por trabalhador em Portugal em relação à média da Zona Euro passou de 55,6% em 2014 para 52,2% em 2017.
Neste período de quebra brutal das taxas de juros (entre 2014 e 2017) o preço do imobiliário aumentou 24,8%.
A taxa de juro é o preço mais importante em toda a economia. A fixação artificial - e em valores tão baixos - da taxa de juros cria desconexão entre poupadores e investidores e distorce todos os preços ao longo de toda a economia. Esta distorção faz-se à custa da sociedade como um todo e em benefício, no curto prazo, de uma parte, o Estado.
Porque são tão poucos - mesmo entre os defensores da economia de mercado - a objectar contra os juros baixos quando são tão evidentes os seus malefícios?
Economista e professor no ISEG
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