pixel

Negócios: Cotações, Mercados, Economia, Empresas

Notícias em Destaque
Cristina Casalinho - Economista
29 de Janeiro de 2021 às 12:00

O lado negro de uma força emergente

Apesar do reconhecimento da importância e do desenvolvimento dos seus próprios projetos de moedas digitais, os banqueiros centrais tendem a adotar uma postura conservadora ou crítica dos projetos privados de moeda digital.

As criptomoedas ou moedas digitais, como a bitcoin, têm vindo a atrair atenção crescente: quer pela forte valorização e adesão; quer por comentários de vários responsáveis de bancos centrais. Apesar do reconhecimento da importância e do desenvolvimento dos seus próprios projetos de moedas digitais, os banqueiros centrais tendem a adotar uma postura conservadora ou crítica dos projetos privados de moeda digital. A presidente do BCE apontou baterias ao facto de terem pouco escrutínio, podendo estar associadas a negócios estranhos. O governador do Banco de Inglaterra (Andrew Bailey) duvida do seu sucesso a longo prazo devido à instabilidade de valor associada. Por sua vez, Janet Yellen, anterior presidente da Reserva Federal e nomeada secretária de Estado do Tesouro da administração Biden, embora reconhecendo as vantagens destas moedas para o futuro dos mercados financeiros, salientou questões associadas à falta de regulação e o aproveitamento para financiamento de atividades ilícitas.

O mundo das transações financeiras está em mudança e os fundamentos tecnológicos das moedas digitais facilitarão pagamentos e realização de transações financeiras, democratizando-as e eliminando etapas e intermediários. O suporte tecnológico permite a populações em economias não bancarizadas o acesso a meios de pagamento rápidos e seguros (e.g. remessas de emigrantes entre economias desenvolvidas e em vias de desenvolvimento). Nas economias desenvolvidas, possibilita pagamentos ou transações instantâneas (com vantagens óbvias de custo). Os principais defensores destas moedas enfatizam os ganhos de eficiência e a redução de custos, eliminando intermediários e colocando beneficiários finais frente a frente. Uma das principais atividades dos bancos será posta em causa com a disseminação destes sistemas. Por enquanto, os intermediários financeiros ainda desempenham uma função relevante nesta esfera: atuam como controlo de entrada no sistema. As obrigações de controlo e reporte destas instituições fazem delas, crescentemente, menos importantes enquanto facilitadores da atividade económica, porque as suas funções e vantagens competitivas vão sendo sucessivamente disputadas pelos novos (fortes) concorrentes, designadamente da área das tecnologias de informação e comunicações, e mais relevantes como vigilantes do sistema.

A eventual mudança de paradigma para as moedas digitais privadas exigirá um maior escrutínio das suas atividades e obrigá-las-á a um maior controlo da entrada de participantes. Ou seja, terão de estar dispostas a um maior escrutínio e submissão a qualquer tipo de supervisão ou regulação. Este tipo de preocupação não é exclusivo das economias desenvolvidas. Na China, o ataque desferido pelas autoridades contra o Grupo Ant, cujo principal negócio é uma plataforma de pagamentos eletrónicos, baseou-se na falta de escrutínio e cumprimento de regulação por parte de algumas das atividades financeiras desenvolvidas pelo grupo.

Andrew Bailey, na crítica às moedas digitais, salientou a sua falta de estabilidade. Esta é uma importante crítica, porque uma moeda tem de cumprir três funções: meio de pagamento, unidade de troca, e reserva de valor. A instabilidade do valor, como acontece com as fortes flutuações da bitcoin, compromete o estatuto de moeda como reserva de valor. Este obstáculo foi, contudo, superado de forma bem-sucedida aquando da criação da moeda digital lançada pela Facebook. O valor da moeda estaria associado a uma carteira de títulos de elevada qualidade que serviram de colateral ao valor de moeda emitida. Assim, a base desta moeda replicaria o fundamento tradicional da moeda fiduciária.

Em África, os pagamentos através de telemóvel, com base em saldos de contas de telemóvel, configuram uso de uma moeda digital, funcionando a conta com a operadora de telecomunicações como os porta-moedas associados às moedas digitais. Como carregamos estes porta-moedas? Se o carregamento é feito mediante transações realizadas no espaço da moeda digital, então estar-se-á a criar moeda fora do “circuito legal”, constituindo uma dificuldade para os bancos centrais relativamente ao cumprimento das funções de controlo monetário, sobretudo em caso de proliferação de emitentes informais de moeda. A História ensina-nos os riscos associados a instabilidade financeira com esta génese.

Se as moedas digitais oferecem enormes vantagens em termos de desintermediação financeira, rapidez e custo de transações, colocam importantes desafios ao nível da estabilidade financeira das economias. Estes riscos justificam a preocupação dos bancos centrais com o crescimento das moedas digitais privadas. 

 

Ver comentários
Ver mais
Publicidade
C•Studio