Os ares do tempo: duas coisas interessantes e uma previsão sombria
Nunca mais haverá centrão, e nisso, mais uma vez, talvez tenha razão Passos Coelho e talvez aposte mal Marcelo
Um exercício interessante é pegar nos Trump dos EUA, Le Pen e Fillon de França, Hofer da Áustria, Wilders da Holanda, Orban da Hungria, Grillo de Itália, e perguntar se, embora com contornos tão diversos, o seu advento não resultará do mesmo desassossego, de os eleitores, e não apenas os silenciosos e/ou abstencionistas, terem-se fartado, terem-se disposto a revoluções e incómodos porque não querem mais o que está e estão enjoados disto.
O comentador/humorista/enter- tainer americano Bill Maher, um não-trumpista, fez uma observação interessante sobre a eleição de Trump. Dizia ele que as vítimas de atentados terroristas estão fartas de que lhes digam para não serem más para os muçulmanos; preferiam ouvir como é que se acaba com as bombas. E o mesmo para o desemprego, o crime, a imigração descontrolada.
Nos temas do emprego, do comércio, do Estado-Nação, das políticas sociais, das práticas e da linguagem não estaremos perante a revolta da maioria silenciosa ou abstencionista? Não estaremos perante claros sinais do princípio do fim da esquerda (que faliu ideologicamente mas domina social e culturalmente) e da correcção política? Nesse sentido, a surpresa da esquerda ao verificar que as memórias hagiográficas de Fidel esbarravam com um inusitado nojo quererá dizer alguma coisa.
Entusiasmo é o que sente qualquer pessoa que se interesse por política ao observar o que se passa em França. É que François Fillon, o vencedor destacado das eleições primárias do centro-direita francês, o homem que vai enfrentar e provavelmente derrotar Marine le Pen nas presidenciais de Maio de 2017, aparece da direita - direita católica, liberal na economia e conservadora na sociedade - com um programa libertário, de desestatização, "brutal" e "irrealizável", como dizia Alain Juppé, seu adversário derrotado por larga margem. Interessante será verificar se aquele programa é de facto brutal e irrealizável em França, ou se, ao contrário, era desejado e realizável, o que seria sinal de que os ares do tempo mudaram, esses sim brutalmente.
O contraponto divertidíssimo é o facto de Fillon enfrentar, vindo da direita e com um programa de direita, uma candidata vinda da extrema-direita e com um programa de esquerda (nacionalizações, barreiras alfandegárias, funcionalização do país, assistencialismo), nacional-socialista propriamente, ao gosto da esquerda de cá.
Interessante ainda - como comédia … aliás, peço desculpa, como farsa - é ver como os mesmos serventuários - que nos media portugueses festejam nacionalizações, defendem a funcionalização do país, atacam a UE e aplaudem o assistencialismo - conseguirão atacar furiosamente as nacionalizações, o antieuropeísmo, a funcionalização e o assistencialismo que Marine Le Pen defende para França. Será difícil compreender porquê, mas talvez lhes tenham explicado que ela é de direita, e, como bons praticantes amestrados, eles obedecem. Não escaparão, porém, à dura prova de engolir o "neoliberalismo" de Fillon em defesa de um mal menor.
Sombria é a perspectiva de que Portugal venha a ser o sítio mais sossegado (pobre, triste, desesperançado, sem outro futuro que a sobrevivência na mediocridade) para assistir a isto tudo. Nunca mais haverá centrão, e nisso, mais uma vez, talvez tenha razão Passos Coelho e talvez aposte mal Marcelo. Mas haverá - imersa no proverbial e no tépido banho de 30 anos de atraso - este tipo de governação demagógica, corrupta, resignada, esmoler, a empurrar com a barriga, a culpar os outros das próprias desgraças e insuficiência. Mais tarde, perante as mudanças internacionais e o nosso imobilismo, talvez alguém venha dizer outra vez que foi como com Salazar: faltou-nos entrar na guerra.
Jornalista
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