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Manuel Caldeira Cabral
10 de Novembro de 2014 às 20:20

Os três erros de Merkel na questão dos licenciados

A chanceler alemã cometeu um erro de diagnóstico, ao considerar que o problema de um país com qualificações a menos é ter licenciados a mais, mas cometeu também um erro de avaliação, ao defender que em Portugal é preciso colocar menos pessoas na universidade para alargar o ensino profissional, algo que a realidade dos últimos anos desmente.

 

O problema com os diagnósticos errados da chanceler Merkel é que estes têm levado tantas vezes a avaliações e soluções erradas tanto em Portugal, como na Europa.

Comecemos pelo erro de diagnóstico. Já muitos salientaram que falar de excesso de licenciados em Portugal, quando o país tem 17% da sua mão-de-obra com ensino superior, enquanto a Alemanha tem 27%, parece assumir uma posição de defesa que o menor desenvolvimento e a especialização de Portugal se devem manter. 

Esta é uma posição em choque com os objectivos da estratégia 2020, traçada para a União Europeia. Angela Merkel parece querer considerar que uma Europa em competitividade se deve basear na inovação, no conhecimento e na capacidade do capital humano (seguindo a estratégia 2020), e outra cuja competitividade dependeria apenas do baixo custo da mão-de-obra (seguindo a estratégia de empobrecimento).

Mas o diagnóstico está ainda mais errado, pois baseia-se na ideia de que entre os jovens a percentagem de licenciados cresceu demasiado em Portugal, e que essa é uma causa do nosso elevado desemprego. Entre 1998 e 2013, a percentagem de licenciados na população activa passou de 7% para 17,6%. Entre os jovens (25 aos 34 anos) a percentagem com ensino superior é 27% em Portugal. No entanto, mesmo esta geração, que é a mais qualificada de sempre, está entre as menos qualificadas da OCDE - ver gráfico 1.

A taxa de desemprego dos licenciados aumentou muito nos últimos anos, em Portugal, mas continua a ser 30% inferior à dos não licenciados. O excesso de licenciados não é a causa do nosso desemprego.

Outro erro na análise da chanceler alemã é o de considerar que para haver mais ensino de cariz profissional teria de haver menos entradas nas universidades. Esta visão maniqueísta é desmentida pelos dados do caso português, onde, entre 2000 e 2005, ambos diminuíram, e entre 2006 e 2011, ambos cresceram - ver gráfico 2. Os dados mostram que a recomendação da chanceler sobre aumentar o ensino profissionalizante no secundário já estava a ser seguida desde 2006 e, pelo menos até 2011, foi paralela ao aumento de ingressos no ensino superior, e em particular ao aumento de ingressos nas áreas de engenharia e ciências.

O terceiro erro é o de não ouvir as vozes que dentro da Alemanha falam hoje de um problema de escassez de trabalhadores qualificados, como a Associação Alemã de Engenheiros (VDI), que reportou haver 76 mil vagas engenheiros por preencher na Alemanha. Na geração entre os 25 e os 34 anos, a Alemanha, com 28% de licenciados, surge muito abaixo da França, Reino Unido, EUA, Japão, Bélgica, Holanda e mesmo da maioria dos países de Leste. Estarão todos errados? Ou será que é a Alemanha e Portugal que têm qualificações a menos?

Os diagnósticos baseados no preconceito têm levado a chanceler Merkel a impor políticas erradas na Zona Euro, com consequências devastadoras. A necessidade de alterar o rumo europeu hoje defendida pelo BCE, Comissão Europeia e pela generalidade dos economistas europeus e norte-americanos deviam levar a chanceler alemã a ser mais prudente nas ingerências, diagnósticos e certezas das suas soluções.

Professor no departamento de Economia da Universidade do Minho

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