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João Borges de Assunção - Professor | Católica Lisbon School of Business & Economics | Universidade Católica Portuguesa jba@ucp.pt
06 de Junho de 2019 às 20:10

Nós os Portugueses

E se nós votamos essencialmente da mesma maneira, os outros, incluindo os nossos líderes, têm de nos aceitar como nós somos. Não me agradaria a conclusão abjeta de que temos de mudar de portugueses.

Não. Não vou falar em nome dos portugueses. Já há de sobra quem faça isso nas nossas televisões. Por vezes de forma embaraçosa.

Mas vou atrever-me a partilhar uma perspetiva mais ou menos objetiva que me permita falar sobre a eventual crise do regime, dos partidos ou de ambos.

O PS ganhou as eleições para o Parlamento Europeu com 33.4% dos votos e mais 11.5 pontos percentuais que o PSD com 21.9%. Quando vi os resultados das eleições europeias dei comigo a pensar: Onde é que eu já vi isto?

Nas eleições para a Assembleia Constituinte de 1975 o PS ganhou as eleições com 37.9% dos votos e mais 11.5 pontos percentuais que o PPD que teve 26.4%.

Passaram 44 anos sobre as primeiras eleições democráticas e livres e a opinião política dos portugueses pouco ou nada mudou.

A título de curiosidade o CDS que nas eleições europeias teve 6.2% dos votos recebeu 1.4 pontos percentuais menos que os 7.6% de 1975. Os votos brancos e nulos, que nas europeias foram 6.9% repetiram os 6.9% de 1975, que na altura eram interpretados como votos de apoio ao MFA.

Tomando a liberdade analítica de somar os votos do BE e da CDU o resultado nas europeias é 16.7% o que compara com os 17.4% obtidos pelo PCP, o MDP e a UDP em 1975, uma ligeira descida conjunta de 0.7 pontos percentuais.

Em 1975 não havia um partido comparável ao PAN que teve 5.1% nas eleições europeias, mas penso que ainda é cedo para o considerar um elemento permanente do nosso sistema político.

Os portugueses concretos que votaram este ano não são os mesmos de 1975. Mas a opinião política dos portugueses de hoje é idêntica à dos portugueses da altura.

Penso ser consensual que o país hoje é mais desenvolvido, com melhor saúde e habitação. O nível de educação e cultura dos portugueses é maior. O seu conhecimento do mundo que nos rodeia também.

A tecnologia que usamos é muito superior àquela a que que tínhamos acesso em 1975.

A forma como vivemos, trabalhamos, e nos relacionamos mudou. A estrutura familiar também. Os portugueses são mais urbanos. A qualidade do saneamento básico e da água melhorou. Sim, e apesar de todas as críticas a dos transportes e dos serviços públicos em geral também.

A consciência ambiental ou a critica à corrupção e ao compadrio é hoje maior. A sociedade é globalmente mais exigente em termos éticos e ambientais.

A única coisa que parece não ter mudado é a nossa opinião política expressa em eleições.

Se os resultados eleitorais dos partidos políticos representam uma crise do regime ela deverá ser a mesma que tínhamos em 1975. Até a coincidência estatística dos 6.9% de brancos e nulos é representativa da perspetiva política de tantos portugueses.

Note-se que os portugueses que votaram em 1975 eram os mesmos que em 1973 toleravam a manutenção do Estado Novo. E as suas opiniões políticas também não deverão ter mudado muito em apenas dois anos.

Claro que as posições políticas dos vários partidos não são iguais às que expressavam em 1975. Embora por vezes o seu discurso retome a linguagem da época. Mas as razões que motivam os portugueses a votar nos "nossos" partidos devem ser muito semelhantes. E sendo verdade que a abstenção tem aumentado é difícil concluir sobre o seu significado em termos das razões das pessoas. E os estudos de opinião não têm a necessária consistência metodológica ao longo do tempo para permitir comparações seguras.

Estou entre aqueles que pensavam, erradamente, que a crise financeira e os anos duros do programa de ajustamento entre 2011 e 2014 mudariam a opinião das pessoas. Isso aconteceu noutros países que sofreram crises financeiras graves. Hoje compreendo que me enganei. E uma análise fria dos dados permitiria concluir isso. Já tínhamos tido duas intervenções do FMI, e, apesar do protesto nas eleições imediatamente posteriores, a opinião dos portugueses regressou ao seu lugar normal pouco tempo depois.

Claro que a estabilidade da média histórica dos resultados eleitorais esconde oscilações pontualmente importantes que permitiram alternância democrática na chefia do Governo. Pelo que não se pode retirar da análise fria dos números que o PS se perpetuará no poder. Mas será certamente ilusório pensar que será com estratégias de comunicação que se altera de forma significativa o resultado do sentido de voto dos portugueses.

A opinião política dos portugueses é parte da estrutura da nossa sociedade.

Assim, quem fala de crise do regime está de facto a queixar-se dos portugueses. E se nós votamos essencialmente da mesma maneira, os outros, incluindo os nossos líderes, têm de nos aceitar como nós somos. Não me agradaria a conclusão abjeta de que temos de mudar de portugueses.

Professor na Universidade Católica Portuguesa

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