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João Carlos Barradas - Jornalista
02 de Agosto de 2016 às 19:45

Administrar o islão

O fracasso do regime laico em enquadrar as comunidades muçulmanas está a gerar acirrada polémica em França sobre a revisão da Lei de Separação das Igrejas e do Estado imposta no início do século XX a cristãos e judeus.

O terrorismo jihadista sunita é encarado como caso extremo da alienação ante os valores laicos por parte significativa das novas gerações oriundas das comunidades islâmicas estabelecidas no país a partir dos anos 1960.

As tentativas do Governo de Manuel Valls para levar associações muçulmanas e colaborarem no combate ao jihadismo seguem, contudo, pelo mesmo caminho que levou ao falhanço de iniciativas lançadas a partir do anos 1990 pelo socialista Pierre Joxe e os conservadores Jean-Pierre Chevènement e Nicolas Sarkozy.

O Conselho Francês do Culto Muçulmano (CFCM), criado em 2003 pelo ministro do Interior Sarkozy, falhou no objectivo de gerir o exercício do culto em articulação com o Estado.

Conflitos entre representantes com diminuta representatividade de comunidades de origens diversas (dos alevis turcos aos emigrantes do Magrebe, Senegal ou Níger, passando pelos crentes vindos das Antilhas ou Reunião) separam a capacidade organizativa do CFCM.

Os muçulmanos da França europeia e ultramarina por razões inerentes à própria crença religiosa nunca geraram estruturas hierárquicas que permitissem ao Estado encontrar interlocutores representativos para negociar, conforme sucedeu a partir de 1905 com católicos, protestantes e judeus, excluindo o período de repressão antijudaica entre 1940-44 promovida por ocupantes nazis e o regime de Pétain.    

A recusa de dissociação entre uma esfera religiosa privada e a vida pública, inerente ao islão, impossibilitou de resto a gestão de conflitos à semelhança do conseguido entre diversos governos e crentes cristãos e judeus organizados em igrejas ou congregações diversas.

Anouar Kbibech, actual presidente do CFCM, avalizou propostas do ministro do Interior, Bernard Cazeneuve, para rever formas de financiamento de construção e manutenção de locais de culto (assegurado maioritariamente pelos crentes residentes em França) e a formação de imãs para acompanhamento espiritual em hospitais, prisões ou nas forças armadas no quadro das excepções à interdição de subvenções do Estado a entidades religiosas.  

A formação teológica e cívica a que se propõe o CFCM, no âmbito de um alegado argumentário antijihadista, dificilmente será viável tendo em conta a diversidade de  "guias de oração". 

Um terço dos cerca de 6 milhões de muçulmanos de França (por cultura e  grupo étnico de origem) declara acatar e praticar as prescrições do islão sunita.

A comunidade diversa, mas que o Estado tenta contraditoriamente homogeneizar para definir interlocutores e estabelecer padrões de comportamento, corresponde,  entre nascidos e conversos, a cerca de 8% dos 64,2 milhões de residentes da metrópole e 2,1 milhões de habitantes do Ultramar.

Contam-se cerca de 300 imãs em pouco mais de 2.000 locais de culto nesta França europeia, mas menos de 30% é de nacionalidade francesa, sendo 1/3 estipendiados parcialmente ou a tempo inteiro pelas comunidades de crentes ou estados de origem: Turquia, Algéria e Marrocos.

Os imãs oficialmente reconhecidos, incluindo os que oficiam em aproximadamente 120 centros de culto salafistas (proponentes da submissão ao literalismo da prédica original do Profeta e companheiros de Maomé), são, assim, maioritariamente formados no estrangeiro e estão essencialmente ligados às comunidades de origem magrebina ou turca.   

Neste panorama é previsível que as prédicas jihadistas apostadas na aniquilação e submissão de infiéis continuem a atrair na ausência de instâncias legitimadoras, reconhecidas pela maioria das comunidades muçulmanas, de práticas e doutrinas que admitam a coexistência com um Estado laico.

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