A armadilha
Vamos discutindo que fatia cabe a cada um mas andamos pouco empenhados em tratar da questão da diminuição relativa do tamanho do bolo.
A FRASE...
"Desde 2000, estamos todos mais iguais, mas sobretudo mais pobres face ao resto da UE."
Inês Domingos, Observador, 28 de Fevereiro de 2021
A ANÁLISE...
A economia portuguesa aproximou-se dos níveis de riqueza e desenvolvimento dos países mais ricos da UE até meados da década de 90 do século passado. A partir daí, a convergência começou a abrandar nomeadamente porque Portugal praticamente não cresceu no século XXI. Entretanto fomos sendo paulatinamente ultrapassados por outros países no Centro e Leste da Europa, desfazendo por completo o mito antigo de 30 anos do "bom aluno português". A economia portuguesa parece ter chegado àquilo a que os economistas hoje chamam a "armadilha do desenvolvimento intermédio". O fenómeno não é uma idiossincrasia portuguesa, sendo vários os exemplos dos países que, após o sucesso do salto inicial em direção ao desenvolvimento, estagnam num nível intermédio, claramente abaixo das aspirações iniciais. Casos houve em que choques levaram à superação do problema através da tomada de medidas que desarmaram os nós da estagnação. O exemplo da Coreia do Sul, após a crise das dívidas asiáticas do final dos anos 90, é um dos mais conhecidos, tendo crescido após a eliminação dos constrangimentos internos à concorrência e à transparência das relações económicas.
Todavia, este tema não capta a atenção dos comentadores e da maioria da academia: prevalece a questão da repartição do rendimento, seja interpessoal seja inter-regional. Vamos discutindo que fatia cabe a cada um mas andamos pouco empenhados em tratar da questão da diminuição relativa do tamanho do bolo. Acontece que ambas as questões são importantes e que esta precede aquela. Ainda recentemente, o INE publicou informação sobre a convergência das regiões portuguesas: por um lado, a diferença do PIB per capita entre as regiões diminuiu entre 2000 e 2017, mas esta diminuição resultou sobretudo da perda relativa mais acentuada das regiões mais ricas face aos padrões europeus. Em suma, estamos mais iguais, mas relativamente mais pobres.
A crise atual e os apoios que aí vêm deveriam constituir oportunidade perfeita para discutir que amarras temos de cortar para que Portugal crie mais riqueza. Que reformas devem acompanhar o PRR, que políticas retêm e atraem investimento e talentos, como podemos ter, de novo, um ciclo que crescimento sustentado e robusto sem o qual, mesmo em termos de distribuição, restará pouco mais que "distribuir o mal pelas aldeias".
Este artigo de opinião integra A Mão Visível - Observações sobre as consequências diretas e indiretas das políticas para todos os setores da sociedade e dos efeitos a médio e longo prazo por oposição às realizadas sobre os efeitos imediatos e dirigidas apenas para certos grupos da sociedade.
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