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Luís Marques Mendes
08 de Março de 2020 às 21:18

Marques Mendes: “Governo é um misto de Sócrates e de Guterres. Tem o pior dos dois mundos”

As habituais notas da semana de Marques Mendes, no seu espaço de comentário na SIC. O comentador fala sobre o coronavírus, os juízes sob suspeita no Tribunal da Relação; O futebol na mira do fisco; o julgamento de Sócrates e as primárias nos EUA.

CORONAVÍRUS

  1. Finalmente a epidemia chegou a Portugal. A maior preocupação é no Norte:
Primeiro: por que é que há mais casos no Norte? Porque foi aí que tudo começou. E é onde há maior ligação a Itália, sobretudo no domínio empresarial;

Segundo: o que há neste momento é aquilo a que os especialistas chamam um "cluster", um aglomerado de casos que têm entre si uma relação de tempo e de espaço. De tempo, porque as infectações surgiram no período de incubação da doença. De espaço, porque as transmissões ocorreram em contexto laboral e familiar.

Terceiro: neste momento estamos ainda em fase de contenção – conter o vírus dentro do ambiente familiar e hospitalar. Evitar que o vírus passe para a comunidade. Daí as medidas ontem anunciadas pela Ministra da Saúde.

  1. Entretanto, há uma questão que todos colocam: quando e como é que esta epidemia vai acabar? Ninguém sabe. Esta é a incerteza das incertezas. Até porque ainda não há nenhuma vacina. E a incerteza é que gera medo. E a incerteza e o medo paralisam as pessoas e paralisam a economia.  Mesmo assim o caminho a seguir é sempre o mesmo: confiar nas autoridades de saúde, seguir as precauções recomendadas e evitar o pânico.

  1. Ocorreu anteontem um Conselho de Ministros da Saúde da UE. Ao que apurei, há duas conclusões a tirar: tensão e crispação.
Primeiro: um ambiente muito tenso. A preocupação com a situação é grande. Sobretudo em Itália onde 1/4 da população está em isolamento.

Segundo: uma certa crispação entre duas visões: uma visão comum europeia de intervenção – onde se destacou a posição de Portugal – e uma visão mais nacionalista, protagonizada pela Alemanha e pela França. Prevaleceu a ideia que a Europa tem de agir de forma unida e coordenada.

Em consequência, houve duas decisões importantes: por um lado, foi decidido fazer compras conjuntas, ao nível europeu, de todos os equipamentos de protecção (máscaras, óculos, batas, luvas, etc.); por outro lado, foi deliberado que todo o material informativo sobre a doença  será igual para todos os países da Europa.

  1. As consequências económicas e políticas também são sérias:
Na economia há uma dúvida e uma certeza. A certeza é que vamos ter um sério abrandamento económico. A dúvida é se chegamos a uma recessão. Entretanto, cá dentro, o excedente orçamental pode estar em causa.

Na política também pode haver efeitos sérios. Na China, o regime está em dificuldade e pode endurecer posições; em Itália, o problema pode gerar o crescimento dos populismos; nos EUA, a epidemia pode contaminar as eleições presidenciais. Nenhum país está imune. Já se considera mesmo que, a seguir ao atentado de 11 de Setembro e à crise de 2008, o coronavírus é o terceiro grande problema deste século.

  

 

JUÍZES SOB SUSPEITA (TRIBUNAL DA RELAÇÃO)

 

  1. Num caso gravíssimo, dois factos relevantes: primeiro, a demissão do Tribunal da Relação. Era uma demissão inevitável. Fica a sensação de que saiu empurrado e não por iniciativa própria. Segundo: a decisão do C.S.M. de instaurar processos disciplinares a três juízes. Uma decisão exemplar. Rápida, firme e unânime.

  1. Porquê este escândalo? Na minha opinião, por três razões essenciais:
Primeiro: o excesso de corporativismo no sistema judicial. Nos sectores mais elevados da magistratura, os juízes protegem-se muito uns aos outros.

Segundo: o défice de escrutínio. Juízes e militares foram desde sempre os sectores do Estado menos escrutinados. Daí as opacidades, os facilitismos, os amiguismos, a falta de transparência.

Finalmente, a justiça é um mundo muito fechado, muito formal e muito conservador. Devia ser um sector muito mais aberto. Dois exemplos:

  • Ministro da Justiça – Toda a vida tivemos juristas como Ministros da Justiça. Mas porquê? Muitos Ministros da Saúde não são médicos. Por que é que um Ministro da Justiça não é um gestor? Por que é que há-de ser sempre um jurista? Esta visão conservadora, formal e fechada, só faz mal à justiça.
  • Conselho Superior da Magistratura – É o órgão de gestão dos juízes. São 17 elementos. Oito são obrigatoriamente juízes. Mas os demais nove – designados pela AR e pelo PR – podem não ser juristas. Podiam ser gestores, sociólogos, especialistas de outras áreas. Mas não são. É preciso mudar o paradigma.

  1. Finalmente, o futuro. A partir de agora, vai começar a "caça ao juiz". É um novo desporto nacional. A tentativa de encontrar mais um juiz que tenha tido uma falha. Se houver casos graves, é bom que sejam denunciados. Mas atenção: não se pode generalizar. A esmagadora maioria dos juízes são pessoas sérias, íntegras e competentes. Não são nem um bando de corruptos nem um conjunto de incompetentes. Não podemos entrar em populismos e em exageros.

O FUTEBOL NA MIRA DO FISCO

 

  1. Esta semana foi desencadeada uma grande operação do Fisco e do MP junto de vários grandes clubes de futebol. Objectivo: investigar eventuais fugas aos impostos. Por que é que esta iniciativa é importante?
Primeiro, porque é uma operação relativamente inédita em Portugal. Depois do Football Leaks, já houve várias investigações deste género em vários países. Desde logo, na vizinha Espanha. Até envolvendo portugueses como Ronaldo ou Mourinho. Em Portugal, nunca tinha sucedido. E, todavia, bastava ler os jornais para perceber que há muita coisa a investigar.

Depois, porque a justiça portuguesa é normalmente muito permissiva com os clubes de futebol. Se houver uma suspeita em relação a um político ou a um empresário, a justiça é muito pronta a intervir. E bem. Se se tratar do mundo do futebol, a justiça é muito branda a tolerante. E mal. Ora, a questão é esta: não há que inventar culpados, crimes ou criminosos. Mas já é tempo de olhar para o mundo do futebol com outros olhos. Os clubes de futebol não são um mundo à parte. Não são Estados dentro do Estado. É tempo de deixarem de ser "vacas sagradas".

  1. E, já agora, não é apenas o Fisco e a Justiça que têm de mudar de atitude em relação aos clubes e dirigentes do futebol. Começa também a ser tempo de a generalidade dos portugueses mudarem o seu comportamento. Se um político prevarica, os portugueses indignam-se. Se um juiz falha, os cidadãos censuram. Por que é que esta mesma indignação não se vira contra os clubes e os dirigentes do futebol quando eles actuam à margem da lei, da ética e da decência? É tempo de exigir verdade, clareza e transparência também no mundo do futebol. 

 

SÓCRATES VAI A JULGAMENTO?

 

  1. Se fossem os portugueses a decidir, não tenho dúvidas de que o ex-PM iria a julgamento. Depois lá estaria o tribunal para, em função das provas, o condenar ou absolver. Seria tudo mais claro e transparente. Mas, como não são os portugueses a decidir, teremos que aguardar mais uns meses pela decisão do juiz de instrução. É assim que deve ser.

  1. Esta é a questão jurídica. Uma questão que se resolverá dentro do tribunal. Mas há uma outra questão: a questão política. As consequências deste processo na imagem da política e na imagem da justiça. As ondas de choque podem ser brutais. Vejamos, de forma objectiva:
Quanto à política – A política sairá sempre mal caso Sócrates seja condenado ou caso seja absolvido. Se Sócrates for condenado, é o estigma que fica de um país que durante anos teve à frente um PM corrupto. É péssimo para a imagem da política e dos políticos. Se Sócrates for ilibado ou absolvido, é o germinar da ideia de que os importantes, poderosos e famosos se safam sempre. Outra imagem desgraçada que só servirá para alimentar novos populismos.

Quanto à justiça – Se Sócrates for condenado, a justiça sai fortalecida. Reganha confiança e credibilidade. Tem uma grande vitória. Se Sócrates for ilibado ou absolvido, a justiça sairá de rastos. Perdida e descredibilizada. Terão que rolar cabeças. Não vai ficar pedra sobre pedra.

  1. A decisão final é jurídica e só jurídica. É assim que deve ser. A justiça faz-se para servir a lei e não a opinião pública. Mas num processo com estas características é bom que estejamos preparados para as suas consequências políticas. É inevitável e objectivo. Não há volta a dar. 

MARCELO NÃO QUER CRISES

 

  1. Num dos discursos mais marcantes da sua presidência, Marcelo, fez dois avisos: primeiro, que não quer crises políticas; depois, que o Governo deve criar condições estabilidade para governar. Entretanto, em entrevista ao Expresso, Siza Vieira diz que é preciso uma reflexão à esquerda para tentar encontrar uma nova geringonça. Para começo de conversa, eu diria:
  • Não vai haver qualquer crise política no próximo ano e meio;
  • Nem provavelmente vai haver nova geringonça nos próximos tempos.

  1. Porquê então tudo isto? Porque o Governo está numa tripla encruzilhada:
Primeira: tem um defeito de fabrico – não tem apoio maioritário na AR. E isto tem consequências. O Governo verdadeiramente não governa. Até o Ministro Siza Vieira o confessa, ao dizer: o Governo "vai governando". "Vai governando" não é governar. É fazer gestão corrente. É a confissão de um governo resignado.

Segunda: corrigir agora este defeito de fabrico é bastante difícil. Como recorda o director do Expresso, João Vieira Pereira, para fazer uma nova geringonça os ex-parceiros do BE e do PCP vão exigir um preço alto. Uma factura pesada.

Terceira: mas, se não corrigir este defeito de fabrico, a situação vai agravar-se – com a saída de Centeno, com o abrandamento económico, com a presidência da UE, com as autárquicas e no fim com a sucessão de Costa no PS.

  1. A agravar esta situação, o Governo é, neste momento, um misto de Sócrates e de Guterres. Tem o pior dos dois mundos. De Sócrates herdou a arrogância e um certo autoritarismo. De Guterres herdou o laxismo e a frustração política. Ambos – Costa e Guterres – quiseram uma maioria absoluta e não tiveram. Ambos tiveram uma vitória com sabor a derrota. Ambos ficaram sem boas condições para governar. Daqui ao caos ou ao pântano a distância não é longa. Basta conhecer um pouco da nossa história política.

 

AS PRIMÁRIAS NOS EUA

 

  1. Depois da última super 3º feira , as primárias dos Democratas nos EUA levaram uma enorme reviravolta:
  • Até aqui, Bernie Sanders era o grande favorito à nomeação. Joe Biden, por sua vez, estava morto e enterrado.
  • Agora, as expectativas inverteram-se – Sanders continua a ser um candidato forte mas Biden ganhou uma dinâmica de vitória que pode ser imparável. É muito provável que venha a ganhar estas primárias.

  1. Na minha opinião, Biden é um candidato mais forte que Sanders para tentar derrotar Donald Trump.
Primeiro: porque Biden é um moderado. Não assusta o eleitorado. Não assusta a economia. Não assusta os investidores. Sanders, segundo os padrões americanos, é visto como um radical e isso assusta mesmo uma parte significativa do eleitorado democrata.

Segundo: porque tem mais estatuto. Foi vice-presidente dos EUA e esse estatuto conta. Conta na política interna e no plano internacional.

Terceiro: porque vai ter, na altura própria, o apoio de Obama. E esse apoio é muito importante. Obama tem um peso político que não é irrelevante.

Finalmente: não é por acaso que foi em relação a Biden que o actual presidente fez a pressão que fez junto da Ucrânia para que ele e o seu filho fossem investigados. Esta é a prova provada que, aos olhos de Trump, Joe Biden é o seu adversário mais forte.

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