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Indústria química precisa de 30 mil milhões para descarbonizar e de condições para ser competitiva

Estudo identifica a competitividade como o principal desafio da indústria química nacional e aponta que fatores como o elevado custo da energia ou a longa marcha dos licenciamentos colocam Portugal em desvantagem face aos seus pares europeus.

Luís Gomes, presidnete da APQuímica
Luís Gomes, presidnete da APQuímica MIguel Baltazar
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A indústria química portuguesa precisa de investir 30 mil milhões de euros para descarbonizar até 2050 e que haja "condições" para se manter competitiva, reclamando políticas públicas que permitam um "efetivo" nivelar do terreno de jogo. Num "dois em um", a Associação Portuguesa da Indústria Química, Petroquímica e de Refinação (APQuímica) apresenta, esta quarta-feira, um roteiro para a neutralidade carbónica até 2050 e um estudo focado na competitividade da chamada "mãe de todas as indústrias".

Essas "condições" passam, desde logo, pela proteção de um setor que gera um volume de negócios de 16,9 mil milhões de euros, responde por quase 13% das exportações nacionais de bens (para 180 países), emprega direta e indiretamente 52 mil trabalhadores e investe 1.000 milhões ao ano, com a APQuímica a propor que Portugal integre, "desde o primeiro momento", a Aliança para os Produtos Químicos Críticos e assegure que pelo menos os "clusters" de Sines, Estarreja e Lisboa/Setúbal sejam integrados nos "sites" críticos a preservar dentro da UE cuja identificação está em curso.

Uma proposta num contexto em que a indústria química europeia se encontra "sob forte pressão". Basta ver - como apontou o presidente da APQuímica, Luís Gomes, num encontro com jornalistas - que várias fábricas na Europa fecharam ou arriscam ter de o fazer (na Alemanha, França, Itália ou o Reino Unido). E Portugal não é exceção, como, aliás, se verificou com o encerramento definitivo, em março, da Indorama, em Sines, complementa, salientando que mais duas ou três unidades europeias que vendiam o mesmo produto (PTA, ácido tereftálico purificado) tiveram igual desfecho antes de a UE abrir, em agosto, uma investigação por "dumping" contra países terceiros.

Mas o problema não vem só do outro lado das fronteiras da UE. O estudo sinaliza que o enquadramento jurídico português para a indústria química "é menos favorável" que o de outros países europeus concorrentes, o que "tem inviabilizado novos investimentos e ameaçado a permanência de 'sites' estratégicos instalados há décadas".

"Casos de renovações de licenças com mais de dez anos de atraso" ou a impossibilidade de uma mesma empresa conduzir vários processos de licenciamento em simultâneo, "uma medida crítica para concretizar novos projetos" e "prática da maioria dos restantes Estados-membros da UE" são disso exemplo.

O calcanhar de Aquiles da energia

Outra "condição essencial para o futuro do setor" prende-se com "a garantia de energia abundante, verde e a custo competitivo". À luz do estudo, não só "o custo da energia para a indústria na UE é muito superior aos seus principais competidores", como a China ou os EUA, como também há fatores que penalizam Portugal dentro do bloco dos 27. "Portugal aparenta ter preços finais competitivos face à média, especialmente na eletricidade" mas, na prática, "os apoios nacionais para consumidores industriais eletrointensivos são inferiores aos de outros países europeus, gerando desvantagens competitivas e preços finais superiores".

Os apoios nacionais para consumidores industriais eletrointensivos são inferiores aos de outros países europeus, gerando desvantagens competitivas e preços finais superiores. Luís Gomes
Presidente da APQuímica

Comparando os itens da "fatura" de eletricidade com a Espanha, França ou Alemanha, a maior diferença encontra-se nos auxílios de Estado. No mês passado, a Comissão Europeia aprovou um aumento orçamental do regime português destinado a compensar empresas com utilização intensiva de energia pelo aumento dos preços da eletricidade resultantes dos custos do carbono no âmbito do Sistema de Comércio de Licenças de Emissão da UE (CELE). Contudo – nota o estudo – não só o apoio atinge um número reduzido de instalações industriais, como o valor está aquém daquele que seria possível negociar com Bruxelas. Por essa razão, recomenda-se "o reforço da compensação indireta de CO2, aproximando-a do limite máximo permitido pela Comissão Europeia e alargando-a e empresas não CELE, como já acontece noutros Estados-membros".

Há também um apelo à "execução urgente" do Estatuto do Cliente Eletrointensivo, que permite uma isenção parcial dos encargos com os Custos de Interesse Económico Geral (CIEG), relativamente ao qual se apontam, por um lado, "limitações importantes" - da exclusão de eletrointensivas à "desafiante" exigência da meta de consumo elétrico de fontes renováveis como contrapartida do auxílio - e, por outro, um "nível de apoio aquém de países comparáveis, como Espanha ou Alemanha".

Recuperar medidas como o "mecanismo ibérico" e o "Apoiar Gás" mantendo-as "latentes" para poderem ser usadas para mitigar a volatilidade dos preços de energia em contextos de instabilidade figura como outra das recomendações.

"Este estudo vem confirmar que a competitividade é o maior desafio da indústria química portuguesa. Sem um enquadramento regulatório previsível, energia a custos competitivos e políticas industriais alinhadas com a Europa, o país arrisca-se a perder décadas de 'know-how'''. A química portuguesa quer liderar a transição, mas precisa que o Estado e a regulação estejam à altura desse desafio", diz o presidente da APQuímica, que reúne mais de 60 associados, entre grandes empresas industriais, PME e 'startups', até as universidades e outras entidades com atividade relevante ao longo da sua cadeia de valor.

Além da proteção dos "clusters" críticos, "fundamentais porque as empresas dentro deles funcionam em rede", da energia e da regulação, o estudo toca ainda no ponto nevrálgico do capital humano, sustentando que "Portugal compara mal com a maioria dos Estados-membros, em especial no segmento dos técnicos altamente qualificados" e recomendando que em face do "forte desalinhamento entre as necessidades de qualificação atuais e futuras sentidas pelo setor e as ofertas formativas existentes" se aproveite a "oportunidade" que representa o processo de revisão do Catálogo Nacional de Qualificações (CNQ). 

"Se a indústria quiser um eletricista ou um soldador é um terror. São profissões bem pagas, mas difíceis de encontrar no mercado de trabalho", realça Luís Gomes, para quem Portugal precisa de investir no ensino técnico-profissional à semelhança do que fez no ensino superior.

Outra recomendação - num total de 78 - vai no sentido de se garantir a continuidade do Programa Doutoral EngIQ, gerido há mais de 15 anos pela APQuímica, em risco por força da anunciada extinção da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), que o financiava. Este programa, que permite associar as cinco maiores escolas de Engenharia Química do país e, em simultâneo, assegurar que os projetos de investigação são realizados em ambiente empresarial em temas previamente acordados entre as universidades e as empresas, "encontra-se num limbo", admite Luís Gomes, para quem tal contrasta com o discurso que aponta a necessidade da formação e fixação de quadros qualificados no país. "Os jovens doutorandos quando veem que têm perspetivas de emprego não emigram", sublinha, apontando que mais de 80 do universo de 90 que passaram pelo programa continuam a trabalhar na indústria em Portugal.

Os caminhos rumo à transição

A par com o estudo de competitividade, a APQuímica concebeu um roteiro para a neutralidade carbónica para a indústria química portuguesa até 2050 - uma meta que tem, aliás, força de lei - que surge como resultado de um "diagnóstico profundo" sobre as condições, desafios e oportunidades e do desenho de caminhos para essa transição, fruto de um trabalho que envolveu "mais de mil pessoas", contou com a colaboração com outros setores (como o do cimento, papel ou vidro), financiamento do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e apoio técnico da consultora EY. 

Partindo da premissa de que "não existe uma fórmula única para descarbonizar o setor químico", o roteiro parte de um cenário base de descarbonização concebido pelo Conselho da Indústria Química Europeia (CEFIC), mas alarga o espetro, definindo quatro outros, com opções tecnológicas que coexistem e se complementam. A saber: eletrificação, recurso a hidrogénio verde e outros gases renováveis e de baixo teor de carbono, aposta na economia circular e biomassa e, por fim, captura, utilização e armazenamento de carbono.

O objetivo passa por "oferecer à indústria vários caminhos possíveis rumo à neutralidade carbónica" - não só as empresas são diferentes, como têm pontos de partida distintos - para que possam "procurar o melhor 'mix'" para lá chegar. E, seja qual for, todos vão desembocar num investimento total estimado em aproximadamente 30 mil milhões de euros, com "ciclos de investimento longos e significativa necessidade de capital inicial, embora fortemente decrescente".

A indústria química figura como o segundo maior emissor de gases com efeito de estufa da indústria nacional (com um peso de 32% segundo dados de 2022), mas, desde 2008, verifica-se uma "dissociação entre o valor acrescentado bruto (VAB) e as emissões do setor" que demonstra que "é possível descarbonizar e gerar valor em simultâneo". À luz dos dados, de 1990 a 2025 houve uma redução de 30% das emissões, enquanto o VAB mais do duplicou (+163%). "É óbvio que este é o caminho", enfatiza a APQuímica.

Tanto o roteiro como o estudo de competitividade vão ser apresentados, esta quarta-feira, durante um evento em Estarreja dedicado ao futuro da indústria química portuguesa que vai contar com o ministro da Economia e Coesão Territorial, Manuel de Castro Almeida.

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