A doença e a cura
Por muito que a troika se empenhe em fazer dos nossos bancos um caso exemplar, terá de ter em conta que não existirão bancos saudáveis sem uma economia real dinâmica e próspera. As falências e desemprego que as medidas de reestruturação da banca estão a implicar ditarão o fracasso da resolução dos problemas do sector financeiro.
Portugal encontra-se a fazer um esforço extremo para meter as contas na ordem. Mas é manifesto que, mercê da receita imposta pela troika, existem problemas sérios que colocam em causa a eficácia do esforço agora exigido aos portugueses podendo, no importante aspecto da solidez do sector financeiro, ter consequências opostas ao pretendido pelo sindicato credor.
Portugal, no momento actual, apenas pode crescer por via das exportações. E, neste momento, temos razões para nos queixar da redução do crescimento nos nossos países parceiros tradicionais. Mas, havendo competitividade, os exportadores poderão procurar outros mercados. Para trazer dinamismo a este sector da economia foram já tomadas medidas excepcionalmente importantes, como seja a reforma da legislação laboral. Mas continua a existir um sem número de "custos de contexto", designadamente nos sectores de bens não (ou pouco) transaccionáveis, designadamente na energia, que urge atacar. Aqui, tem sido extremamente positivo o papel que a troika tem vindo a desempenhar. Mas existem barreiras no capítulo do financiamento que podem deitar por terra todo este esforço.
É absolutamente crucial para o financiamento da economia portuguesa que os bancos possam rapidamente regressar aos mercados internacionais. O modelo adoptado pela troika assenta no pressuposto de se proceder a um exaustivo levantamento dos problemas das carteiras dos bancos, realizada por entidades externas e independentes, se obrigar as instituições a reconhecer de imediato todas as suas perdas potenciais (passando os activos problemáticos para "bad banks" disfarçados de "private equity") e os recapitalizar forçadamente, e em excesso, ao mesmo tempo que os obriga a um processo de forte desalavancagem. Assim, espera que estes fiquem com um perfil de risco francamente diminuído podendo, assim, voltar a merecer a confiança dos mercados.
Foi o modelo que adoptaram na Irlanda, com algumas consequências desastrosas para o Estado Irlandês. Mas, no caso português, esta abordagem falha em dois domínios: ignora que a crise nacional assenta, sobretudo, num problema de dívida soberana e que, portanto, o regresso dos bancos aos mercados depende sobretudo da capacidade de o Estado português ganhar a confiança daqueles, situação para a qual o regresso da economia a uma trajectória de crescimento é fundamental; ignora o efeito que a recapitalização, conjugada com a desalavancagem, está a ter sobre o financiamento dos sectores mais competitivos, colocando em causa a sustentabilidade a prazo do esforço de consolidação orçamental, cujo nível de receita não pode ser sustentado caso a economia não regresse ao crescimento.
Hoje, nas empresas, os prazos de pagamento e de cobrança alargam-se consideravelmente. Quem vende para o mercado interno tem dificuldade em cobrar, não pagando aos fornecedores, criando-se uma cadeia de incumprimento ao longo das cadeias de valor. Os exportadores não obtêm crédito para comprar matérias-primas, falhando oportunidades de venda. Os clientes e fornecedores não aceitam garantias prestadas pelos bancos nacionais. O custo do risco de crédito sobe em flecha. A economia real, privada de liquidez e garantias, definha.
Por muito que a troika se empenhe em fazer dos nossos bancos um caso exemplar, terá de ter em conta que não poderão existir bancos saudáveis sem uma economia real dinâmica e próspera. As falências e desemprego que as medidas de reestruturação da banca estão a implicar ditarão, também, o fracasso da resolução dos problemas do sector financeiro. São muitas as vozes que têm alertado o nosso sindicato credor para este problema. Mas, se deste conjunto de encontros agora concluídos não nascer um ajustamento (evitemos enervar os mercados chamando-lhe revisão) das metas extremamente agressivas impostas ao sector bancário, será inevitável o progressivo colapso do sector exportador, retumbando em fracasso todo o esforço que agora se está a exigir à população nacional. Ainda acredito que o bom senso prevalecerá.
Professor da Universidade Nova de Lisboa
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