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Baptista Bastos - Cronista b.bastos@netcabo.pt
11 de Janeiro de 2008 às 13:59

O ovo da serpente

Anda por aí um cheirinho de fascismo. A frase, surpreendente, começa a entrar no circuito do comentário político e em afirmações, mais ou menos severas, do léxico comum. José Pacheco Pereira discorreu, levemente, acerca de; António Barreto foi-lhe na peug

As apoquentações podem suscitar sorrisos condescendentes aos mais incrédulos. Porém, que a coisa é discutida, lá isso, é.

De facto, as liberdades tidas como tais, desde Abril de 1974, começam ser limitadas. Mas fomos nós que admitimos estes cercos. Em nome da "segurança" e da "estabilidade", da "paz pública" e da "tranquilidade das almas", velhos chavões das estratégias de poder da Direita, recuperados, numa reabilitação fantomática, pela "Esquerda moderna", inúmeros dos direitos conquistados foram espezinhados rudemente. Não há que fugir a isto.

Sabe-se: o fascismo possui diversas máscaras e dispõe de infinitas possibilidades de metamorfose. E há democracias, em todo o mundo, cuja musculatura, frieza, sobranceria e insensibilidade representam parentescos evidentes com o totalitarismo de Direita.

São notórias as deficiências deste Governo, que obteve, durante imenso tempo, a concordância beatífica de uma Imprensa acrítica, ao mesmo tempo que tem beneficiado do esvaziamento da oposição. O PSD é o que se vê. O PCP perde aceleradamente influência. O Bloco de Esquerda transformou-se no MDP do PS. Os chamados "pequenos partidos" estão condenados à extinção, em consequência de uma decisão "socialista", desavergonhada e inqualificável.

Estamos confrontados com uma estratégia de poder, não só absoluto, mas, também, de características perpétuas ou, pelo menos, estruturadas para longo prazo. Não há um, um só, jornal com projecto editorial de Esquerda. Dir-se-á: e a Direita, tem-no? Também não; mas quase: basta ler o que por aí se lê. Quando falo de "jornal de Esquerda" refiro-me, por exemplo, ao "Diário de Lisboa" dos bons velhos tempos; a "The Guardian", a "El Pais", a "Le Monde", a "La Reppublica": órgãos cujas linhas editoriais não ocultam nem sequer dissimulam posições progressistas relativamente ao que vai ocorrendo no mundo. Quero dizer com isto: uma Imprensa que recusa o patético absurdo da "distanciação"; que não receia assumir a sua índole de defensora das causas sociais; que rejeita a falácia da "independência" e da "imparcialidade." Uma Imprensa que, sem temor e sem rebuço, considere aberração as desigualdades sociais. Qualquer dos jornais citados sempre tomou partido. E, amiúde, definiu as suas tendências ideológicas e políticas quando as circunstâncias históricas a isso os obrigaram. Quem já esqueceu, ou quer esquecer, que "Le Monde" revelou, em editorial, a sua orientação de voto, quando Mitterrand estava na corrida? E que "El Mundo" não dissimula as suas simpatias pelas Direitas espanholas? Que o "ABC" é um diário monárquico? Deixaram de ser menos lidos? Pelo contrário: conquistaram a respeitabilidade e a confiança dos leitores.

O "ABC", quando o imenso poeta Rafael Alberti completou 90 anos, consagrou-lhe um suplemento apologético. Alberti, comunista, antifascista, combatera, de armas na mão, na Guerra Civil de Espanha. O jornal da família Luca de Tena, conservadora, apoiante de Franco, ardorosamente anticomunista, não se coibiu de, logo na primeira página, saudar o poeta e sublinhar a importância e beleza da sua poesia. Título: "Alberti, um dos grandes de Espanha." A honra de um prestigiado jornal ilustrava a honra de um prestigiado poeta. Não há, em Portugal, exemplo semelhante. Com tristeza o escrevo.

O Dilecto já reparou que sabemos muito mais do que se passa nos Estados Unidos (quase exclusivamente) do que acontece em Espanha, em França, na Itália, na Alemanha. Pouco ou nada sabemos de Inglaterra, da Irlanda, da Dinamarca, da Noruega, da Suécia. A nossa Imprensa e as nossas rádios e televisões não fornecem informação da cultura, da vida, dos filmes, do teatro desses países. Só há notícia quando cai neve ou o sol brilha demasiado. Nas salas de cinema, a mesma coisa: os Estados Unidos dominam, reorganizam os nossos pensamentos, determinam os nossos costumes, a maneira de vestir, o modo de pensar. Os jornais estão cheios de locuções inglesas. Cronistas do óbvio, em lufa-lufa de imagética, citam por tudo e por nada revistas, jornais, autores norte-americanos, mas estatelam-se na preposição, confundem os verbos e tropeçam nas conjunções. A uniformidade do pensamento tornou-se a caixa de ressonância de uma cultura dominante por submissão e por ignorância de quem prefere a facilidade e adora ser dominado.

A globalização só existe, por unilateral. Quem não quer ver, que não veja. Mas o infortúnio chegará a todos. Até o Papa Ratzinger clama que "a globalização é uma névoa que cega as nações." Clama tarde e a más horas. Afirma ele: "Não se pode dizer que a globalização seja sinónimo de uma ordem mundial, pelo contrário (?) Os conflitos pela supremacia económica e pelo controlo dos recursos energéticos, hídricos, e das matérias-primas tornam mais difícil o trabalho de quantos, a todos os níveis, se esforçam para construir um mundo justo e solidário."

Numa importante entrevista ao semanário francês "Le Nouvel Observateur" [3-9 de Janeiro, p.p], o actor e realizador Sean Penn analisa os factos mais salientes sobrevindos no mundo. É um requisitório dramático. Recusando-se a ser "um inválido sentimental", recolhido no seu salão, sentado num belo sofá e a gozar dos benefícios do estatuto de grande "star", Penn insiste que o medo domina os homens contemporâneos, avassalados pelo capitalismo selvagem e pela sede dos Estados Unidos em perpetuar as suas múltiplas hegemonias. Diz: "É preciso aprender a domesticar o medo. Vivemos com ele; cada vez mais o medo nos invade: está em todo o lado. Somos uma civilização do medo."

É o medo a origem de todas as inseguranças, de todos os pavores, de todas as submissões, de todas as cobardias, de todas as resignações, de todos os sofrimentos, de todas as angústias. O medo corrói-nos como homens. O medo constrói o fascismo. É o "Ovo da Serpente", como no inesquecível filme do imenso Ingmar Bergman. Pode renascer a cada momento.

APOSTILA – Simplesmente deplorável a intervenção de Correia de Campos, dito ministro da Saúde, no programa Prós e Contras, de Fátima Campos Ferreira, na RTP. As habilidades da eloquência tombaram pela força dos argumentos contrários. Correia de Campos começa a ser o calvário dele próprio. Para não dizer outra coisa...

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