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Robert Shiller - Economista
11 de Outubro de 2012 às 23:30

A estrutura narrativa do enfraquecimento global

Os sinais recentes de um enfraquecimento da economia global têm levado muitas pessoas a questionarem-se como irá evoluir o desempenho económico nos próximos anos. Estamos perante um longo declínio global, ou até mesmo uma depressão?

Um problema fundamental das previsões actuais é que as causas da desaceleração são, na realidade, psicológicas e sociológicas, e estão relacionadas com flutuações na confiança e alterações dos chamados "instintos animais" sobre os quais eu e George Akerlof temos escrito. Argumentamos que tais alterações reflectem histórias de mudança, epidemias de novas narrativas, e visões associadas do mundo, que são difíceis de quantificar. Na verdade, a maioria dos economistas profissionais não parece demasiado desanimada com as perspectivas para a economia global.

Por exemplo, a 6 de Setembro, a OCDE publicou uma avaliação intercalar sobre as perspectivas globais de curto prazo, escrita por Pier Carlo Padoan, que suavemente menciona "riscos significativos" no horizonte – a linguagem da própria incerteza.

O problema é que os modelos estatísticos que compõem o conjunto de ferramentas dos economistas funcionam melhor em tempos normais, e por isso os economistas tendem a descrever a situação como normal. Se a desaceleração actual é típica em relação a outros episódios ocorridos nas últimas décadas, podemos prever o mesmo tipo de recuperação.

Por exemplo, num artigo apresentado na primavera passada no Brookings Institution, em Washington, James Stock, da Universidade de Harvard, e Mark Watson, da Universidade de Princeton, deram a conhecer um "modelo de factores dinâmicos", estimado com dados de 1959 a 20011. Tendo excluído a Grande Depressão, defenderam que a recente desaceleração nos Estados Unidos não difere substancialmente de outras ocorridas nos últimos tempos, tirando o facto de ser maior.

O seu modelo reduz as origens de todas as recessões a apenas seis choques – "petróleo, política monetária, produtividade, incerteza, liquidez/risco financeiro, e política fiscal" – e explica a maior parte da crise posterior a 2007 com apenas dois desses factores: "incerteza" e "liquidez/risco financeiro". No entanto, mesmo que aceitemos essa conclusão, ficamos a pensar no que causou os grandes choques de "incerteza" e "liquidez/risco financeiro" nos últimos anos, e com que grau de certeza esses choques podem ser previstos.

Quando consideramos as evidências sobre os choques económicos externos dos últimos dois anos, surgem histórias cujo significado exacto é desconhecido. Só sabemos que a maioria de nós já as ouviu muitas vezes.

A história que mais se destaca é a da crise financeira europeia, que é comentada em todo o mundo. A avaliação intercalar da OCDE chamou-lhe "o risco mais importante para a economia mundial". Isso pode parecer improvável: Porque é que a crise europeia é tão importante para o resto do mundo?

Parte da explicação, claro, é o crescimento do comércio mundial e dos mercados financeiros. Mas as conexões entre países não ocorrem apenas através do impacto directo dos preços de mercado. A interacção da psicologia pública também desempenha o seu papel.

Isto leva-nos até à importância das histórias: e muito longe do tipo de análise estatística apresentada por Stock e Watson. Os psicólogos enfatizaram que o pensamento humano tem uma base narrativa: as pessoas recordam-se, e são motivadas, por histórias, especialmente histórias de interesse humano sobre pessoas reais. As histórias populares tendem a assumir dimensões morais, levando as pessoas a imaginar que os resultados negatives reflectem algum tipo de perda de determinação moral.

A crise europeia começou com uma história do colapso grego, e parece que toda a economia mundial se vê ameaçada pelos eventos ocorridos num país com 11 milhões de habitantes. Mas a importância económica das histórias não tem uma relação próxima com o seu valor monetário (que só pode ser medido depois do evento). Depende, pelo contrário, do seu valor como história.

A história da crise grega começou em 2008 com relatos de protestos e greves, quando o governo propôs aumentar a idade da reforma para combater o défice no sistema de pensões. As notícias começaram a aparecer nos meios de comunicação social de difusão global, retratando um sentimento excessivo de legitimidade, com os gregos a sair à rua em protesto, apesar de o aumento ser modesto (por exemplo, mulheres com filhos ou em trabalhos considerados de risco podiam reformar-se aos 55 anos, em vez de aos 50).

Essa história pode ter incentivado alguns comentários fora da Grécia, mas a sua influência sobre a atenção internacional foi escassa até ao final de 2009, quando o mercado da dívida grega começou a tornar-se cada vez mais instável, com as taxas de juro crescentes a causar dificuldades adicionais ao governo. Isso aumentou o fluxo noticioso sobre o descontrolo grego e encerrou um circuito de retro alimentação negativa ao atrair cada vez mais o interesse público, o que eventualmente impulsionou crises em outros países europeus. Como um vídeo do YouTube, a história grega tornou-se viral.

Poderíamos objector que a maioria das pessoas fora da Europa seguramente não seguia de perto a crise europeia, e que os mais desinformados sem sequer ouviram falar sobre ela. Mas os líderes de opinião, e amigos e familiares dos menos informados um pouco por todo o mundo seguiram a evolução da crise, e a sua influência pode criar uma atmosfera que faz com que todos estejam menos dispostos a gastar.

A história grega parece estar ligada, na mente de muitas pessoas, às histórias das bolhas imobiliárias e no mercado de acções, que precederam a crise actual, em 2007. Essas bolhas de activos expandiram-se devido aos padrões de empréstimo laxistas e a uma inclinação excessiva para o endividamento, que se assemelhava à disposição do governo grego para assumir uma dívida para pagar pensões de luxo. Assim, as pessoas viram a crise grega não apenas como uma metáfora, mas também como uma moral. A consequência natural foi o apoio a programas de austeridade governamental, que só podem piorar a situação.

A história europeia está connosco agora, em todo o mundo, tão viva que, mesmo que a crise do euro pareça resolvida de forma satisfatória, não será esquecida até que uma nova história desvie a atenção pública. Então, como agora, não seremos capazes de entender completamente as perspectivas económicas mundiais sem considerar a história na mente das pessoas.

Robert Shiller, professor de Economia na Universidade de Yale, é co-autor, com George Akerlof, de "Animal Spirits: How Human Psychology Drives the Economy and Why It Matters for Global Capitalism".

© Project Syndicate, 2012.

www.project-syndicate.org

Tradução: Rita Faria

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