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Miguel Garoupa Puim
19 de Abril de 2011 às 11:54

A tributação efectiva dos dividendos

O Orçamento do Estado para 2011 estabeleceu a não aplicação da eliminação da dupla tributação económica nos lucros distribuídos a SGPS, caso os mesmos não tivessem sido sujeitos a "tributação efectiva".

O sentido incerto deste conceito gera dúvidas quanto à sua aplicação, as quais não são devidamente esclarecidas pela redacção singela da norma.

Primeiramente, cabe perceber quais as situações visadas pela norma. Admitindo que, por remissão directa, ter-se-á querido abranger os lucros recebidos de subsidiária residente em Portugal, o mesmo não se considera no caso de participadas residentes na União Europeia.

De facto, para estes casos é directamente aplicável o regime estabelecido na Directiva Mãe-Filhas, o qual não exige como requisito que os lucros tenham sido sujeitos a tributação efectiva. Assim, a obrigar-se à verificação desta condição, iria o legislador ou a autoridade fiscal além do admitido em sede comunitária, tanto mais num instrumento fundamental para a liberdade de circulação de capitais.

Poderá, igualmente, questionar-se em que nível da cadeia de participações se deve apurar a tal tributação efectiva. O entendimento de que seria na participação directa não parece ter acolhimento na letra ou no espírito da lei, o qual tem subjacente a neutralidade na verticalização dos grupos. Para o efeito, constate-se que desta interpretação decorreria a tributação/não tributação intercalada das sociedades pertencentes a um ramo da cadeia de participações que tivesse os dividendos como único rendimento.

Por outro lado, é muito plausível que para os lucros recebidos de uma participada SGPS tenham concorrido, em um ou mais dos patamares societários, rendimentos não tributados (e.g. determinadas mais-valias ou mesmo dividendos), bem como rendimentos tributados. Pelo menos sem grande complexidade e subjectividade, não se vislumbra a possibilidade técnica de efectuar a segregação (em rigor, desde o primeiro nível da cadeia de participações) das componentes que concorreriam para o cálculo da tributação efectiva.

Por maioria de razão, não se vislumbra igualmente o tratamento a dar a situações correntes, como o reporte de prejuízos fiscais, o pagamento de tributos acessórios ao IRC (tributação autónoma ou PEC não reembolsado), ou mesmo no caso de distribuição de reservas.

Assim, não tendo o legislador discorrido sobre estes aspectos, em apanágio ao princípio da legalidade, não poderá a autoridade fiscal limitar parcialmente a eliminação da dupla tributação com base em critérios de afectação proporcional (ou outros), sob pena de recurso a expedientes sem acolhimento na norma.

Ainda, cabe perceber se o nível de tributação efectiva apurado será considerado suficiente. À falta de melhor estimativa, e na ausência de tipificação sobre um quantitativo mínimo, deverá o sujeito passivo entender que o legislador visou apenas a ausência completa de tributação? Se a resposta for negativa, o exercício de tomar por referência qualquer outra taxa existente no sistema fiscal nacional, além de inviável pela panóplia de observações, não é compatível com a proibição de integração analógica em matéria fiscal.

De qualquer forma, o âmbito de aplicação do requisito de tributação efectiva, mesmo na distribuição de lucros entre sociedades residentes em Portugal, poderá vir a ter de ser sindicado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia. No pressuposto que é aplicado um conceito da lei comunitária com relevância transfronteiriça, este Tribunal julga-se competente para firmar uma interpretação uniforme, tal como verificado no caso Leur-Bloem. Em conclusão, dir-se-ia que, perante a incerteza quanto ao alcance da norma, a melhor opção corresponderia à sua revogação. Concede-se contudo que, não sendo esta hipótese atendível de momento, será mais provável o seu aperfeiçoamento ou uma clarificação quanto ao seu sentido. Em qualquer dos casos, urge uma tomada de posição, porquanto a norma actual, nem mesmo por uma (inadmissível) integração analógica, permite alcançar qualquer sentido operante.

Tax Consultant

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