O teste europeu no norte de África
A reacção europeia às históricas revoluções no norte de África vacilou entre a euforia e o medo.
O instinto natural de celebrar e apoiar os processos de democratização ao longo do Mediterrâneo foi moderado pelas preocupações de que a crise atingisse as costas europeias.
Vários líderes invocaram o plano Marshall como modelo da ajuda europeia em larga escala à região, com o objectivo de garantir a sustentabilidade da transformação democrática e gerar benefícios políticos e económicos de longo prazo para a Europa. Mas a reacção geral foi mais apreensiva: os meios de comunicação social e os políticos da União Europeia estão obcecados com a ameaça de ondas de imigrantes chegarem as suas fronteiras.
Tal ameaça não deve ser desvalorizada. A controvérsia sobre os imigrantes tunisinos em Itália já começou a enfraquecer os fundamentos políticos que permite a livre circulação no espaço Schengen. Entretanto, a guerra na Líbia, pode levar à fuga de muitos milhares de civis à procura de protecção internacional.
Até agora, aproximadamente, 400 mil pessoas estão nos campos de refugiados da Tunísia e do Egipto e cerca de 20 mil já chegaram a costa italiana. Para fazer face a um aumento das solicitações de asilo a União Europeia necessita de reforçar a sua capacidade de oferecer protecção temporária – e, possivelmente, reconsiderar a forma como todo o sistema de asilo funciona. A este respeito, a União Europeia tem tentando alcançar um acordo comum de segurança fronteiriça, cuja expressão mais visível é a ampliação da agência de fronteiras, Frontex.
Mas se a Europa se deixar consumir por esta crise de curto prazo, arrisca-se a desperdiçar uma extraordinária oportunidade de longo prazo. Se aproveitar este momento de forma estratégica e prudente, a União Europeia poderá ter a oportunidade de alterar a sua relação com os países do sul do Mediterrâneo (como começam a ser denominados) para promover o crescimento e desenvolvimento geracional, de forma a que estes também possam beneficiar a Europa.
A melhor forma de dissipar os receios da Europa e prevenir uma migração incontrolada é criar incentivos positivos, e os meios práticos, para que imigrantes potenciais fiquem em casa – através da criação de postos de trabalho ao sul do Mediterrâneo. Na verdade, a maioria dos imigrantes tem relutância em deixar os seus países.
No entanto, ao mesmo tempo, à medida que a geração dos “baby boomers” se reforma, a Europa vai precisar de trabalhadores em todos os níveis de competência. O sul do Mediterrâneo pode ser a fonte deste trabalho, dada a sua enorme população jovem. O truque é garantir a estes imigrantes a oportunidade de adquirir os conhecimentos que os empregadores europeus precisam e de se mudarem de uma forma segura legal e ordeira.
Estabelecer políticas que ajudem a formar a próxima geração de norte-africanos e permitam uma circulação mais livre entre a Europa e os seus países, é uma solução muito mais inteligente do que a actual, que mantém a imigração ilegal sem dar resposta as necessidades laborais da Europa. Este argumento não defende mais imigração mas melhor imigração – bem pensada e planeada.
Como é óbvio, se a Europa ajudar o norte de África a construir democracias sustentáveis e prósperas, isso será o maior dissuasor de longo prazo da imigração ilegal. Vale a pena recordar que há 50 anos, as maiores populações de imigrantes do norte da Europa eram provenientes da Itália, Grécia, Portugal e Espanha. À medida que esses países prosperaram, os emigrantes regressaram a casa: os seus países tornaram-se nos motores do crescimento europeu e os principais mercados exportadores para a Alemanha, França e outros Estados-membros da União Europeia. O mesmo tipo de desenvolvimento pode e deve ser promovido no sul do Mediterrâneo.
Felizmente, os recentes estudos sobre migração e desenvolvimento ajudaram a fomentar uma série de instrumentos políticos que a Europa devia considerar. Especialistas e decisores políticos têm elaborado muitos programas inovadores, como remessas de baixo custo dos emigrantes para os seus países de origem, esforços para fortalecer os laços entre as diásporas e os países de origem e iniciativas para ajudar os imigrantes qualificados a encontrar um emprego adequado, para que cirurgiões qualificados não andem a conduzir táxis.
Ao pensar na forma como melhorar a relação entre a União Europeia e o sul do Mediterrâneo, devemos recorrer a estas ideias tanto quanto possível. De forma a ligar as nossas sociedades de forma positiva, deveríamos considerar seriamente liberalizar os regimes comerciais, abrir novas vias de migração legal e expandir o número de estudantes da região que vêm para a Europa para estudar e receber formação profissional. Na verdade, foram os ideais de liberdade da juventude do norte de África, tanto em casa como no estrangeiro, que ajudaram a derrubar ditadores no Egipto e na Tunísia. Agora é necessário cultivar e aproveitar o seu talento e energia para ajudar a reconstruir as suas sociedades.
Para dar resposta aos desafios e oportunidades do momento é necessária a criação de parcerias fortes entre estados, instituições internacionais e actores não governamentais. Desde a sua criação, em 2006, o Fórum Global para a Migração e Desenvolvimento (GFMD, sigla original) tem proporcionado uma plataforma de diálogo entre estados e outras partes interessadas nas questões relacionadas com a migração e o desenvolvimento. As suas sessões plenárias anuais facilitam a troca de experiências e as boas práticas de uma forma que transcende os tradicionais conflitos “norte-sul”.
Entre as mudanças que promoveu, o GFMD estimulou os governos a entender a migração de forma mais holística e a desenvolver uma solução mais completa para aproveitar as oportunidades e desafios que esta coloca. O GFMD destacou ainda a importância que tem para o desenvolvimento proteger os direitos dos migrantes e combater a migração ilegal.
O Fórum tem feito o seu trabalho mediante a criação e fomento de ideias que podem fazer com que migração beneficie o desenvolvimento dos países de origem e de destino. Chegou a hora de as colocar em prática. Poderá não haver maior oportunidade para o fazer do que o actual momento, estrategicamente, crucial na história da Europa e do sul da Europa. Se não aproveitarmos este momento para agir, a história pode muito bem passar por nós.
Peter Sutherland é representante especial do secretário-geral das Nações Unidas para a migração, antigo director-geral da WTO e comissário europeu.
Direitos de Autor: Project Syndicate, 2011.www.project-syndicate.org
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