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Guy Verhofstadt
12 de Abril de 2016 às 21:00

Pôr Putin no seu lugar

A Europa tem de parar de tornar o trabalho de Putin mais fácil e adoptar uma abordagem colectiva face ao influxo de refugiados.

Pelo menos seis crises estão a testar a estabilidade da Europa: o caos regional provocado, essencialmente, pela guerra na Síria, uma potencial saída britânica da União Europeia, o influxo de refugiados numa escala nunca vista desde a Segunda Guerra Mundial, desafios financeiros por resolver, o expansionismo russo e o regresso do nacionalismo à política tradicional.

 

O Presidente russo, Vladimir Putin, tem exacerbado intencionalmente pelo menos quatro destas crises. A somar ao seu aventureirismo na Ucrânia, introduziu obstrucionismos nas políticas europeias através do seu apoio a partidos populistas e eurocépticos, escalando o conflito no Médio Oriente através da sua intervenção militar na Síria e, como consequência, agravou a crise dos refugiados. A UE tem de acordar para a ameaça que Putin representa e começar a responder à sua agressão.

 

O nacionalismo que se propaga pela Europa tem sido, na verdade, parcialmente alimentado pelo financiamento russo a partidos de extrema-direita, cujo crescimento impediu a Europa de providenciar uma resposta colectiva à crise dos refugiados. No Reino Unido, o UKIP está a morder os calcanhares do primeiro-ministro, David Cameron, pelo que o Governo recusa comprometer-se a acolher uma justa parcela dos refugiados. De forma idêntica, a Suécia encerrou as suas fronteiras em resposta ao rápido crescimento nas sondagens do partido de extrema-direita Democratas Suecos. Estes cálculos lamentáveis estão a ser feitos por todo o continente.

 

Entretanto Putin tem descarrilado os esforços da comunidade internacional para negociar uma solução política para o conflito sírio, a raiz do problema da crise dos refugiados. O apoio russo ao assalto do Governo sírio à cidade de Aleppo foi um entrave para o processo de paz, que depende da cooperação dos actores globais, poderes regionais e da oposição moderada que as forças de Putin bombardearam.

 

A 15 de Fevereiro, pelo menos 50 pessoas, incluindo mulheres e crianças, foram mortas por mísseis lançados sobre escolas e hospitais no Norte da Síria, segundo as Nações Unidas. O Governo francês classificou os ataques de "crimes de guerra" – e com razão. A Rússia negou qualquer envolvimento, mas fragmentos de mísseis de fabrico russo foram encontrados na cena. O grupo voluntário Médicos Sem Fronteiras disse que apenas a Rússia ou o Governo sírio poderiam ser responsáveis pelos ataques.

 

Além disso, os combates em torno de Aleppo deslocaram cerca de 50 mil pessoas, de acordo com o Comité Internacional da Cruz Vermelha. Muitos destes sírios desesperados – consistindo principalmente naqueles que não conseguiram escapar mais cedo – seguirão para a Turquia, a caminho da Europa.

 

A Rússia lançou bombas mesmo com Putin a defender um cessar-fogo. Claramente ele não pode ser levado à letra, tal como o demonstram também as acções russas na Ucrânia. Estando os Estados Unidos com as atenções desviadas para a campanha das suas eleições presidenciais, os líderes europeus encontram-se isolados com o urso russo a bramir à porta. É tempo para uma acção imediata.

 

Primeiro, os governos europeus têm de interromper rapidamente o financiamento russo de partidos políticos no seio da Europa. Se necessário, deve ser pedido à Agência Central de Inteligência (CIA) dos Estados Unidos assistência para identificar como é que esses fundos são transferidos. O esforço deve ser mantido até que os canais de transferência de dinheiro russo para os partidos europeus estejam encerrados para sempre.

 

Em segundo lugar, a UE tem de preparar-se para impor reforçadas sanções económicas à Rússia. A Resolução 2254 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que define um roteiro para o processo de paz sírio, obriga todos os actores, incluindo a Rússia, a parar com os ataques indiscriminados contra civis. Se a Rússia falhar o cumprimento dos seus compromissos, estas sanções devem ser accionadas.

 

Terceiro, a UE tem de trabalhar em conjunto com a Turquia e outros actores regionais para estabelecer lugares seguros na fronteira turco-síria, para onde os refugiados de Aleppo e de outros lugares se encaminham. Enquanto isto implica algum risco, não existem alternativas credíveis.

 

Finalmente, a Europa tem de parar de tornar o trabalho de Putin mais fácil e adoptar uma abordagem colectiva face ao influxo de refugiados. Enquanto parte de uma resposta de emergência, uma força fronteiriça europeia e guarda costeira têm de ser criadas e encarregadas de ajudar a Grécia a controlar as suas fronteiras, assim como de salvar vidas e processar as novas chegadas.

 

Ao mesmo tempo, os fundos da UE têm de ser usados de forma a melhorar as condições nos campos de refugiados na Turquia, Jordânia e noutros lugares, providenciando aos seus residentes, no mínimo, alguma esperança de poder satisfazer as suas necessidades básicas. E, sim, os líderes europeus têm de chegar a acordo para aceitar receber uma justa parcela daqueles que estão necessitados, permitindo que os refugiados requeiram asilo na UE directamente a partir dos países em que estão actualmente a residir.

 

George Soros estava certo quando, recentemente, defendeu que a maior ameaça no longo prazo para a estabilidade da UE é a Rússia. Mas está errado quando sugere que a UE se vai desintegrar e colapsar sob o peso das múltiplas crises que enfrenta. É tempo para a Europa se afirmar, aproveitar a sua economia e usá-la para pôr Putin no seu lugar.

 

Guy Verhofstadt, antigo primeiro-ministro da Bélgica, é membro do Parlamento Europeu e presidente da Aliança dos Liberais e Democratas pela Europa.

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2016.

www.project-syndicate.org

Tradução: David Santiago

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