O novo caminho da China
A natureza opaca do governo chinês complica a leitura da direcção política económica da China e torna, por isso, difícil perceber em que sentido é que a economia do país irá desenvolver-se nos próximos anos. Mas a escala da economia chinesa e o seu papel no comércio mundial e nos mercados financeiros levam-nos a tentar compreender as intenções da nova liderança da China.
Um ponto de partida útil está em analisar as principais nomeações que foram feitas desde que o presidente Xi Jinping assumiu funções. Uma surpresa foi a decisão de manter Zhou Xiaochuan como governador do Banco Popular da China (PBOC). Zhou tinha chegado ao final do seu mandato – e atingido uma idade em que é suposto os funcionários reformarem-se. Por isso, a decisão de o manter durante pelo menos mais dois anos representa um apoio importante por parte da nova liderança da China.
Zhou é um inteligente especialista em política monetária e finanças e é internacionalmente reconhecido. Enquanto governador doPBOC, favoreceu políticas monetárias mais centradas no mercado e reforçou a internacionalização da moeda chinesa, o renminbi. Foi também muito bem sucedido nas acções que tomou para conter as pressões inflacionistas. Será de esperar que vejamos mais do mesmo nos próximos anos.
O novo ministro das Finanças, Lou Jiwei, chega ao Ministério vindo da China Investment Corporation, o fundo de riqueza soberana da China, onde lidou diariamente com os mercados de capitais de todo o mundo. Lou, um economista bem treinado que já tinha sido vice-ministro das Finanças, onde foi uma voz a favor das reformas pró-mercado, indicou numa recente reunião em Pequim a sua estratégia actual em matéria de política tributária e orçamental. Ele rejeitou aquilo que descreveu como sendo o estilo europeu de um governo sobredimensionado e de elevados impostos, e também o estilo americano de baixas taxas de imposto mas enormes défices orçamentais, tendo em vez disso defendido um baixo défice orçamental e um sistema tributário que promova ‘oportunidades’ para os particulares e para as empresas do sector privado.
Xi e o primeiro-ministro Li Keqiang sabiam obviamente o que esperar quando nomearam Lou. E apesar da sua idade, prometeram que terá um pleno mandato de cinco anos como ministro das Finanças, o que levará a que termine o mandato com uma idade superior à normal idade de reforma.
Liu He é talvez o menos visível dos principais pensadores económicos. Desempenhou um papel importante no delinear do 12º Plano Quinquenal, recentemente adoptado, com ênfase na urbanização e no desenvolvimento do sector dos serviços como forma de aumentar os rendimentos pessoais e a percentagem de gasto dos consumidores no PIB. Foi recentemente promovido ao cargo de vice-director da Comissão Nacional de Reforma e Desenvolvimento, o órgão-chave de aconselhamento do Conselho de Estado sobre estratatégia de desenvolvimento económico e política macroeconómica.
Em conjunto, estas nomeações demonstram a ênfase da nova liderança chinesa nas reformas pró-mercado e uma transição da indústria pesada para uma maior aposta no consumo e nos serviços. Essa transição deverá traduzir-se numa taxa de crescimento mais lenta do PIB do que a taxa actual de perto de 10% alcançada pela China nas últimas três décadas. Mas uma desaceleração do crescimento anual para 7% levará, ainda assim, a uma duplicação do PIB da China ao longo da próxima década.
Mais consumo e menos indústria pesada permitirá igualmente reduzir a procura de matérias-primas por parte da China, o que levará a uma descida dos preços globais das “commodities”. Mais significativo ainda, a transferência dos rendimentos das empresas públicas para os trabalhadores da classe média e o maior gasto por parte dos consumidores levará a uma redução da enorme taxa de poupança da China. Uma vez que o excedente das contas correntes de um país é a diferença entre a sua poupança nacional e o seu investimento nacional, o superávit das contas correntes da China deverá continuar a diminuir nos próximos anos. Isso é consistente com o objectivo do Plano Quinquenal, que baseia o crescimento do PIB mais na procura interna e menos nas exportações.
Uma vez que o excedente externo da China já caiu para menos de 2% do PIB, uma diminuição da poupança doméstica poderá levar a que o país venha a ter um défice das contas correntes. Nesse caso, a China deixaria de ser um comprador líquido de dívida estrangeira e de outros activos. Se a China quiser continuar a investir em empresas estrangeiras e em recursos naturais, terá de se tornar num vendedor líquido das obrigações que detém em carteira.
A nova liderança deverá, claro, enfrentar sérios obstáculos, à medida que for tentando orientar as suas políticas na direcção pró-mercado. As empresas públicas chinesas são forças poderosas na economia, com substancial influência política; elas resistirão à transição da indústria pesada para os serviços.
Da mesma forma, o reconhecimento generalizado e oficial da corrupção introduz uma nova fonte de incerteza na política nacional e local. Mas os novos líderes da China já indicaram para onde é que pretendem que a economia se dirija e enfatizaram a sua determinação no combate à corrupção. Mais importante ainda, colocaram pessoas talentosas a cargo deste processo. O resto do mundo só pode esperar que tenham êxito.
Martin Feldstein, Professor of Economics at Harvard University and President Emeritus of the National Bureau of Economic Research, chaired President Ronald Reagan’s Council of Economic Advisers from 1982 to 1984.
Direitos de autor: Project Syndicate, 2013.
Tradução: Carla Pedro
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