A Europa defronta-se com o seu destino
Um conjunto de reflexões de alta qualidade, numa obra coordenada por Eduardo Paz Ferreira, traz-nos para o centro do debate o futuro da Europa comunitária. Um estimulante contributo para o presente e futuro da UE.
A Europa que vive no condomínio privado de Bruxelas, e que frequenta as recepções nos paraísos de ar condicionado de Berlim e Frankfurt, ficou enjoada com o resultado eleitoral de Donald Trump, com o Brexit e com a ameaça de Marine Le Pen em França. Espantados, mas ainda irredutíveis. Mas porque haveríamos de nos surpreender com o aumento do racismo, do antieuropeísmo e do populismo na Europa se as receitas para esta crise (que, mais do que financeira, é moral e cultural, ou seja, de modelo) vão contra o que seria eficaz para combater as causas que alimentam tudo isso?
A redução rápida do défice, o crescente proteccionismo dos países, e o euro que funciona como camisa-de-forças não permitem grande coisa. Este livro coordenado por Eduardo Paz Ferreira faz eco desses desconfortos múltiplos. Com uma série de estimulantes contribuições, coloca a reflexão à volta dessa torre de marfim que se chama União Europeia e do seu deus, o euro. Numa altura em que a Europa do Iluminismo parece apostada em apagar as luzes com que influenciava os povos de todo o mundo, as reflexões são cirúrgicas.
Por exemplo, Eduardo Paz Ferreira escreve na introdução: "Porque se voltaram então agora os europeus para as situações individuais e deixaram de considerar a construção do futuro como tarefa comum? Porque é que onde antes havia união, hoje só há divisões? (…) Nesta União Europeia em que os valores escasseiam e os problemas se multiplicam, é sintomático o adiamento das decisões de fundo. (…) A paulatina destruição da Europa Social, que foi sendo assinalada, junta-se um conjunto de outras opções e não opções, que afastam cada vez mais os cidadãos da União, identificada como o bloco opressor que os faz viver mal e retroceder na vida, apenas se inquietando com a saúde das instituições financeiras e não se mobilizando contra o gritante aumento das desigualdades."
Ao longo deste denso volume, encontramos reflexões muito interessantes, de autores como António Goucha Soares, José Reis, Ricardo Cabral, Carlos Costa Pinto, José Castro Caldas, Guilherme d'Oliveira Martins, Paulo Pitta e Cunha, Silva Peneda, João Ferreira do Amaral, Francisco Louçã ou Luís de Lima Pinheiro, entre muitos outros. Os temas analisados são também variados, já que incidem sobre áreas como a identidade e a cidadania na UE, Schengen, o futuro do Estado Social, os acordos de cooperação (CETA e TTIP), a União Bancária, os auxílios de Estado ou o euro.
Ou seja, o espectro é variado, o que aumenta a transversalidade da reflexão. Num dos textos, José Reis é contundente: "O pressuposto ideológico fundamental era que não seria à esfera pública que competiria governar a economia, antes pelo contrário. Caber-lhe-ia só garantir a ortodoxia monetária e manter-se o mais afastada possível dos outros aspectos da organização económica, incluindo a provisão dos serviços essenciais. Seria um Estado sem povo."
Este é um livro para ler com calma, porque traz elementos de análise e de interrogação muito interessantes neste momento em que a Europa se olha ao espelho. E, claramente, não gosta do que vê.
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